“A mente cedeu perante a magnitude ininteligível, a complexidão dos cálculos transformando-se num confuso turbilhão de símbolos e algarismos, a linguagem matemática assumindo uma fantasmagórica e indistinta forma, o raciocínio demitindo-se da árdua tarefa de subjugar a inacreditável lógica das formulações. O silêncio do cansaço invadia-o lentamente, as pálpebras negando-lhe a vontade de permanecer acordado, o corpo assumindo a derrota infligida por horas esquecidas de concentração absoluta. Debateu-se por mais um pedaço de vigília, amaldiçoou-se por não ser capaz de continuar, a verdade insinuando-se ali tão perto… Deitou a cabeça sobre os braços, almofadas improvisadas sobre o incomum leito em que a sua secretária se havia transformado naqueles últimos meses de esfuziante promessa, a derradeira revolução da física assomando-se-lhe no espírito como a realização de um anseio velho de séculos. De imediato, o céu escuro e pesado do sono abateu-se sobre ele, esmagando os sonhos que teimavam em despontar, pequenas mas espaventosas faíscas enchendo-lhe a cabeça de um ruído branco que o aconchegava numa melodia de embalar. A noite esvaziou-se de horas, o tempo fugiu-lhe apressado e a alvorada, anunciando-se radiosa, trouxe-lhe um despertar bocejante…”
V.A.D. em Símbolos
Vídeo: A Beleza da Matemática (www.youtube.com/watch?v=sb5xy86ooqA)
"Em sonos inquietos, na escuridão nocturna do quarto, falou em voz alta por diversas vezes, o delírio febril manifestando-se em palavras desconexas, os suores febricitantes encharcando-lhe o cabelo, o coração batendo violenta e desconformemente num surdo matraquear de aflição, o centro de controlo de temperatura do hipotálamo reagindo aos agentes pirógenos segregados pelas células numa resposta à agressão de minúsculos atacantes. A sua mente clamava por algo ou por alguém, estendendo-se, informe e sofrida, através de abismos hadeanos, os bafejos ardentes da pirexia calcinando a fina crosta da congruência num frenesi absurdo e desarmonizado, a agitação e os tremores fatigando até que a quietude estática do esgotamento se sobrepôs num definitivo sossego. A manhã chegou cedo, o sol refulgente entrando pela persiana entreaberta, iluminava metade da divisão, a suavidade morna da luz tirando-lhe a vontade de sair daquele estado letárgico. Por diversas vezes deixou-se escorregar para a tepidez do sono, até a luminosidade exercer sobre si a obrigatória instância do despertar. Entreabriu os olhos e deixou-se ficar imóvel por um momento, contemplando a alvura do tecto e a faixa de claridade que invadia a sua vida…"
V.A.D. em Febre
A neblina da sonolência vai-se adensando e quanto mais me esforço por escrever algo que possa parecer coerente, mais difícil se torna o encadeamento dos pensamentos erráticos e dispersos. Pouco a pouco, os sentidos deixam de estar alerta e vejo-me cada vez mais a escutar a música suave e soporífera que escolhi para companhia. O cigarro vai ardendo no cinzeiro, as volutas criando padrões incertos, vórtices simultaneamente caóticos e de finos recortes. Os olhos teimam em fechar-se e o dia foi longo… Apago o cigarro e vou dormir. Talvez sonhar…
Agarrei-me desesperadamente ao tronco flutuante de uma enorme árvore, uma ilha de madeira que talvez me permitisse, ainda que por alguns segundos, recobrar o fôlego. Estava esgotado, prestes a desistir; a força da enxurrada havia-me arrastado por centenas de metros, talvez quilómetros, fazendo-me debater incessantemente com a necessidade de me manter à tona. Nem as roupas pesadas nem os fortes redemoinhos daquela massa de água em fúria facilitavam essa tarefa vital, e há limites para a resistência. Respirei profunda e rapidamente, grato por sentir que o coração se acalmava e que o latejar do sangue nas têmporas deixava de se assemelhar a um martelo a bater-me furiosamente na carne. Senti uma forte pancada na zona das costelas; durante alguns instantes, uma sensação de enorme confusão apoderou-se da minha mente. Estava encharcado, mas não havia aquele frio que me enregelava os ossos, nem a permanente desorientação provocada por um voltear contínuo, por uma permanente movimentação sobre aquele louco carrossel feito de água… Outra pancada arrancou-me definitivamente àquele estado indefinido:
- Estás outra vez a ressonar…!
Virei-me para o outro lado e voltei a adormecer. Desta vez, o sono revelou-se sereno: o pesadelo não regressou.
Imagem: Enxurrada (http://users.tinyonline.co.uk/gswithenbank/flood.gif)
Despertei calmamente com a luz limpa, cor de prata, da paz interior. Senti os pensamentos a tomar forma e abri os olhos. Voltei-me para ver as horas e suspirei de alívio: ainda era cedo; podia dormir mais um pouco. À minha volta, o silêncio aconchegante convidava à preguiça, e a claridade tímida que penetrava no quarto não me impedia de voltar a mergulhar no sono. Deixei-me embalar pela suavidade ritmada da própria respiração e as pálpebras, pesadas, voltaram a cerrar-se. Permiti que a mente se esvaziasse de actividade consciente, enquanto cada músculo do corpo se descontraía. Adormeci…
Imagem: Dormindo (www.tobinmueller.com/artsforge/martin/sleeping.jpg)
Às vezes, antes de adormecer na escuridão e no silêncio do meu quarto, tenho por breves momentos uma preciosa ilusão do passado e acho-me capaz de vislumbrar o futuro. Nesse ápice sei, sem margem para dúvidas, qual é o verdadeiro cento da minha vida, e todos os segredos do Universo me parecem ser sussurrados. Nesses momentos afortunados são-me dadas coisas que não se podem conquistar nem manter e que, muitas vezes, nem reconheço na altura: a alegria de existir e uma grata sensação de paz. O silêncio e a escuridão fazem de mim a sede do tempo e do espaço e à minha volta desfilam todas as ideias ainda não pensadas e todas as emoções ainda não vividas. O riso e o choro, o cansaço e o repouso, a imponderabilidade e o peso…, todas as dualidades intrínsecas confundem-se e esvaziam-se de sentido. A mente desliga-se do corpo e une-se ao Universo. O sono toma conta do meu ser…
Imagem: Dormindo (www.objectsandpixels.com/img/blog/crayon_asleep.jpg)
A noite caiu. O fogo abre um mágico círculo no meio da escuridão que me cerca. Esforço-me por me manter alerta, mas o véu da sonolência descai sobre mim como uma sombra, diluindo os contornos da realidade. O cansaço afoga-me num poço de dormência; as forças abandonam-me e em breve a minha mente deixar-se-à levar pela silenciosa corrente de um rio negro e viscoso, até ao lugar inane do esquecimento.
O meu corpo repousa, vazio de sentidos, e cessam os movimentos voluntários. As partes mais profundas do meu cérebro vigiam as funções vitais e assumem o comando, enquanto vagueio à deriva num mar de pensamentos cada vez mais incertos e desconexos. Procuro agarrar-me às mioclonias, mas são tão esquivas...! Sonhos absurdos, que rapidamente se desvanecem, mostram-me pedaços quebrados do meu dia.
Escuridão total. A imensidão da eternidade condensa-se num átomo de tempo e do nada surgem novamente os sonhos, mais vívidos e claros, porém impregnados de um surrealismo estranhamente monocromático.
De novo a cerração... Podem passar evos ou segundos; estou desligado do mundo enquanto o meu corpo se restabelece.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. Tortura
. Símbolos
. Pirexia
. Neblina
. Acordar
. Momento
. Blogs
. Abrupto
. Feelings
. Emanuela
. Sibila
. Reflexão
. TNT
. Lazy Cat
. Catinu
. Marisol
. A Túlipa
. Trapézio
. Pérola
. B612
. Emanuela
. Tibéu
. Links
. NASA