Hoje há no mundo mais de seis mil milhões de seres humanos de reacções imprevisíveis, cada um deles controlado por três instâncias psíquicas, que segundo Freud serão o id, o ego e o superego, ou, numa visão mais moderna, o cérebro reptiliano, o sistema límbico e o córtex cerebral. Existe também uma infinidade de motivações sociais, económicas, políticas e religiosas. Para se poderem fazer previsões exactas sobre a humanidade, seria necessário lidar com milhões de milhões de variáveis, algo que é virtualmente impossível. Além disso, existe um outro problema. Consideremos gotas de água caindo sobre uma pedra. Enquanto a acção da água sobre a rocha pode ser modelada de maneira a que se consigam fazer previsões sobre os resultados dessa actividade, cada ser humano possui uma consciência mais ou menos desenvolvida e, o que é mais, em plena actualização. Na natureza, um estímulo igual tende sempre a provocar um efeito igual, e é essa regularidade que permite a elaboração das leis das ciências exactas. Mas o mesmo estímulo sócio-psíquico, num indivíduo, não desencadeia sempre a mesma sensação, porque o homem reage não directamente ao estímulo, mas sim à consciência que tem desse estímulo, o que leva a que a mesma pessoa possa ter atitudes diferentes, em tempos diversos, perante situações idênticas.
Imagem: Homem-Universo-Sociedade (www.spaceandmotion.com/Images/cosmology/human-universe-society-cosmos.jpg)
"Que uma pessoa tenha de falar acerca da mente em metáforas é lamentável, mas inevitável. Nem a linguagem comum nem a científica nos faculta um idioma no qual a Natureza e as obras do espírito possam ser descritas convenientemente. Quase não é possível dizer qualquer coisa sobre ela excepto por metáforas e símiles tirados do mundo material que podemos ver e tocar. (...) Como se os materiais psicológicos hereditariamente dados fossem uma porção de barro para o escultor lhe dar forma, uma porção de brita e alvenaria para ser transformada pelo arquitecto numa casa. E até onde este símile acentuou a crua natureza caótica do que é dado, e a importância no processo da sua conversão numa personalidade em qualquer coisa como tratamento artístico, serviu bastante bem. Mas a arquitectura e a escultura existem no espaço e são o mesmo nos diferentes momentos do tempo. Os seres humanos habitam o tempo, bem como o espaço, e variam de momento para momento. Os materiais de uma personalidade, hereditariamente dados, são caóticos no tempo, não no espaço. As pedras com as quais o arquitecto fará a sua casa jazem dispersas no espaço. Os materiais psicológicos com que o indivíduo tem de construir a sua personalidade são descontínuos no tempo. Para se criar uma personalidade, uma pessoa tem de descobrir algum princípio de continuidade, uma pessoa tem de planear uma estrutura ideal, onde os materiais naturalmente descontínuos possam encaixar-se harmoniosamente. Brechas temporais separam os elementos de uma personalidade; a estrutura deverá colmatar estes abismos do tempo. O princípio da continuidade deve actuar como uma espécie de cimento, no qual os elementos divididos pelo tempo estão assentes."
Excerto de Sobre a Democracia e Outros Estudos, de Aldous Huxley, ensaísta e romancista britânico. Na sua vasta obra escrita, debruça-se essencialmente sobre as humanidades, e dá especial ênfase aos sistemas políticos baseados no autoritarismo. O seu romance mais conhecido, Admirável Mundo Novo, é uma contra-utopia pessimista, em que é usada a ficção científica para a descrição de um mundo organizado segundo uma estrita hierarquia e dominado por uma ditadura genética.
Imagem: Frame of Mind (www.abcdigitalart1.hpg.ig.com.br/deaddreamer/FrameOfMind1024.jpg)
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