“O choque quis destruir a minha sanidade, os pesadelos inundando-me como volutas negras e acres durante a noite, uma catalepsia agonizante enchendo os dias que se seguiram à revelação da verdade, a mente agachada refugiando-se no beco escuro e sombrio do desespero, encurralada por um fosso que se abria, profundo e horrendo, e que a separava do tempo a que pertencia por direito próprio. Sentia-me irremediavelmente perdido, um estranho entre a sua própria descendência, as incontáveis gerações apartando-me, enquanto indivíduo, da espécie que já não era a minha, arrancado fortuitamente a um passado a que me via impossibilitado de regressar, atirado para um futuro onde não encontrava raízes. As semanas escoavam-se por entre interrogatórios fastidiosos e intermináveis testes psicotécnicos, a desalentada monotonia sendo apenas diminuída ao crepúsculo quando os olhar da neurocirurgiã se afundava no meu, o pretexto de verificar a minha condição servindo para justificar as visitas diárias que se me iam aparentando cada vez mais pessoais que médicas. Aos poucos, via-me a aumentar a fluência numa linguagem cujos étimos me eram bem conhecidos, a comunicação tornando-se cada vez mais fácil e apetecida. Íamo-nos esquecendo do tempo, embalados em conversas que se prolongavam mais e mais, a negrura do céu, suavizada pelo vermelho do sol retirado, servindo muitas vezes como tecto, a estranha ausência de Selene não obstando a um enamoramento crescente. Pensei muitas vezes nos poetas desta singular época, a merencória luz da lua não podendo figurar nos seus escritos, a literatura, embora empobrecida, não deixando por isso de glorificar o amor que sempre pode despontar entre dois seres…”
V.A.D.
Imagem: Sob o Céu (original em www.arthurdurkee.net/images/JTsunset5446w.jpg)
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