"Considerei fechar definitivamente o baú dos sonhos, mas quedei-me, hesitante... Faria assim algum sentido, a vida...?"
V.A.D. em Sonhos
“Do Androids Dream of Electric Sheep?”
Philip K. Dick
Vídeo: Love Theme – Blade Runner (www.youtube.com/watch?v=C9KAqhbIZ7o)
“Subir o rio era o mesmo que viajar para trás, até às primeiras idades do mundo, quando a vegetação transbordava da terra e as árvores reinavam. Uma torrente deserta, um grande silêncio, a floresta impenetrável. O ar era quente, espesso, muito pesado e mole. A luz solar não tinha alegria. Longos troços de rio deserto perdiam-se por lonjuras de enorme sombra. Nas margens de areia prateada, hipopótamos e crocodilos tomavam lado a lado banhos de sol. (…) Uma pessoa perdia-se naquele rio (…) e acabava por julgar-se vítima de um feitiço, isolada para sempre do que até ali conhecera, sei lá onde, muito longe, talvez noutra vida. (…) Era uma vida de silêncio que parecia não ter qualquer paz.”
Excerto de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, romancista de origem polaca. Nascido em 1857, viveu a traumática experiência da ocupação russa até conseguir a nacionalidade britânica em 1884. Nesta obra, que reflecte o choque entre colonizados e colonizadores, o autor conduz-nos às trevas da selva africana e, simultaneamente, às do coração humano.
Imagem: Zambeze (www.junglephotos.com/africa/afscenery/sunsets/zamsunset.jpg)
“Metade dos passageiros enfraquecidos expirava das angústias inconcebíveis que o balanço de um barco causa aos nervos o outras partes do corpo agitadas em sentidos contrários, e nem sequer tinha forças para se inquietar com o perigo. A outra metade gritava e rezava. As velas batiam, rasgadas, os mastros estalavam e partiam-se, o barco metia água por todos os lados; trabalhava quem podia, ninguém se entendia e ninguém comandava. (…) O caridoso Jacques corre em socorro de um homem em perigo, ajuda-o a subir, e desses trabalhos resulta-lhe cair ao mar mesmo à vista do marinheiro, que o deixa morrer sem sequer o olhar. Cândido aproxima-se, vê reaparecer o seu benfeitor, e vê-o depois sumir-se para sempre. Quer deitar-se à água atrás dele, mas o filósofo Pangloss segura-o, provando-lhe que o porto de Lisboa tinha sido feito expressamente para nele se afogar esse anabaptista.”
Excerto de Cândido, ou o Optimismo, de Voltaire. Poeta, ensaísta, dramaturgo, filósofo e historiador iluminista francês, nascido em 1694, Voltaire foi um crítico severo de um mundo vivido entre as contradições do optimismo e do pessimismo, do bem e do mal, e atacou com veemência todos os abusos de poder. Esta obra é uma sátira que se ergue contra o fanatismo, a intolerância, a ignorância e a injustiça, males que infelizmente continuam a grassar nos nossos dias.
Imagem: Voltaire (www.ocidente.eu/img/voltaire2.jpg)
“Estava ali na Mese, a artéria principal de Constantinopla, a mais esplêndida cidade do mundo. Se não tivesse entrado para os magistrianoi, provavelmente nunca teria posto os pés na capital do império. Uma procissão de padres descia a rua vinda de oeste, direita à grande catedral de Hagia Sofia. Alguns erguiam velas e outros cruzes de madeira, enquanto um mostrava a imagem de um santo. Argyros benzeu-se piedosamente quando ouviu o hino que eles cantavam e sorriu. Mesmo que tudo o mais não o conseguisse fazer, esse hino recordar-lhe-ia o que se festejava nesse dia. Ainda que Maomé tivesse morrido havia quase setecentos anos, os seus versos religiosos continuavam a comover os bons cristãos.”
Excerto de Agente de Bizâncio, de Harry Turtledove, historiador e escritor norte-americano.
Têm havido muitas ocasiões em que o destino da humanidade parece ter estado suspenso de um único acontecimento. Que teria acontecido se Roosevelt não tivesse assinado, num sábado, a directiva que pôs em marcha o que viria a ser conhecido como Projecto Manhattan? Ter-se-ia a Alemanha antecipado na construção da bomba atómica? Teríamos hoje o idioma germânico como língua oficial? Nesta fabulosa obra, estamos perante um outro “se” da História. Que aconteceria se a tentativa de Justiniano de restabelecer o Império não tivesse falhado? E se o Império Bizantino pudesse ter detido os Zoroastrianos persas e se o Islão não tivesse surgido para destruir estes e enfraquecer inapelavelmente aquele? Teria Bizâncio podido sustentar a cultura greco-romana, intacta e completa para o futuro…?
Imagem: Hagia Sofia (www.export.nrw.de/export/hagia_sofia.jpg)
“Dourado. Tudo era de um amarelo-dourado. Flutuei na luz ténue, consciente mas alheado de tudo, excepto da cor. O líquido começou a escoar-se no tanque, mas eu continuei a flutuar. Um choque fez-me sentir dezasseis fontes de agonia, na forma de minúsculas agulhas; os meus braços e pernas moveram-se em convulsões, mas o meu coração não começou a bater. E, depois, uma sensação bem conhecida: dera uma pancada com um dos joelhos. Mais um choque, e o coração bateu. Estava vivo e preferia morrer a aguentar outro choque. Inspirei e fui sacudido por uma tosse terrível. Bati com a cabeça na borda do tanque, apalpei o inchaço com as mãos frias e, quando olhei para elas, estavam tingidas de sangue. Parte dele tinha escorrido para o olho esquerdo, manchando o dourado de vermelho. A tampa do tanque saltou com um assobio húmido de vedantes de borracha. (…) Os sentidos começaram a despertar e deram-me a conhecer que estava enjoado. (…) Tentei ver o quarto com nitidez, pisquei os olhos, limpei o sangue…”
Excerto de Ofiúco, de John Varley. Autor norte-americano de ficção científica, Varley é muitas vezes comparado a Robert Heilein, quer pelas semelhanças do estilo de escrita, quer pela forma como as sociedades são construídas nas suas obras. Neste espectacular romance, podemos antever a possibilidade da múltipla existência e da quase eternidade, conseguidas através da clonagem e da transferência da memória.
Imagem: Asclépio (www.anestesia.com.mx/articulo/asclep3.gif)
“O colosso decapitado cambaleou como um gigante embriagado, mas não caiu. Recuperou o seu equilíbrio como que por milagre e, sem escolher o caminho, ergueu o engenho que provocava os raios da morte e avançou rapidamente sobre Shepperton. A inteligência viva que estava dentro do capuz do marciano dispersou-se aos quatro ventos e a Coisa passou a ser agora apenas um intrincado conjunto de metal a girar enquanto se consumava a sua destruição. Seguiu em frente e em linha recta, incapaz de se orientar. Acabou por ir bater na torre da igreja, deitando-a abaixo como se se tivesse verificado o impacto de um aríete. Continuou a caminhar até que foi cair no rio, com uma energia tremenda…”
Excerto de A Guerra dos Mundos, de H.G.Wells, autor que dispensa quaisquer apresentações. Publicada em 1898, esta foi a primeira obra de ficção científica a explorar as possibilidades da existência de vida inteligente noutros planetas. No entanto, é mais do que um relato de extraterrestres a invadirem a Terra, pois nela são retratadas as reacções dos indivíduos perante as catástrofes e a inesgotável capacidade que o Homem tem de se reerguer do caos.
Imagem: A Guerra dos Mundos (http://difference.weblog.glam.ac.uk/images/wotw.jpg)
“Alguma vez se preocuparam com a vossa memória, por dar a impressão de não vos estar a fornecer precisamente a mesma imagem do passado, de um dia para o outro? Alguma vez tiveram receio de que a vossa personalidade estivesse a alterar-se, por causa de forças para além do vosso conhecimento ou do vosso controlo? Alguma vez se sentiram certos de que a morte súbita estava prestes a saltar sobre vós, vinda de nenhures? Alguma vez foram assustados por fantasmas, não do género daqueles que figuram nos livros de histórias, mas sim os biliões de seres que foram, em tempos, tão reais que nos é difícil acreditar que para sempre se conservarão inofensivamente adormecidos? (…) Alguma vez pensaram que o Universo pode não passar de um sonho louco e confuso?”
Excerto de O Tempo, O Espaço e o Cérebro, versão portuguesa de The Big Time, obra máxima de Fritz Leiber e precursora da Nova Vaga da ficção científica. Influenciado pelos escritos de H.P.Lovecraft e de Robert Graves no início da sua carreira como escritor, Leiber foi gradualmente buscando inspiração nos trabalhos de Carl Jung, explorando especialmente os conceitos de Anima e Sombra. Neste livro magnífico, a luta clássica entre duas facções beligerantes é transformada num conflito dentro da mente do próprio Cosmos, travado entre viajantes do tempo.
Imagem: Tempo (www.alexgame.net/images/b_src/star_time_screensaver_b.jpg)
“Sinharat era uma cidade sem pessoas, mas não estava morta. Possuía uma memória e uma voz. O vento fazia-a respirar e cantava, através dos incontáveis tubos de órgão dos seus corais, das bocas que eram os limiares de mármore das suas portas e das estreitas gargantas das suas ruas. As esguias torres pareciam extensas flautas e o vento nunca parava. Por vezes, a voz de Sinharat soava baixinho e gentil, murmurando coisas acerca da juventude eterna e dos prazeres dela derivados. Noutras ocasiões, era forte e altivamente orgulhosa, gritando: Vocês morrem, mas eu não! Havia alturas em que era louca, risonha e odienta. Mas a sua canção revelava-se sempre perversa. Compreendia agora por que motivo a cidade era tabu.”
Excerto de A Chegada Dos Terrenos, um dos mais célebres clássicos da ficção científica. Para os amantes deste género, Marte tem sido sempre a Última Thule, o mundo para além das fronteiras conhecidas do mundo, um local mítico habitado por raças poderosas e antigas civilizações, capazes de modificar um planeta inteiro, rasgando-o de lés-a-lés através de canais, num esforço colossal para impedir a ruína. Leigh Brackett, conceituada escritora norte-americana, apresenta de forma inolvidável estas lendas oníricas de um Marte Antigo, convidando a verdade científica a manter uma distância respeitosa.
Imagem: Sinharat
“Era um globo em relevo de um mundo, parcialmente em sombras, girando sob o ímpeto de uma mão gorda que refulgia com anéis. Estava colocado numa armação, numa parede de uma sala sem janelas, e cujas outras paredes estavam cobertas por uma verdadeira manta de retalhos feita de manuscritos, livros-filme, gravações e bobinas. A luz brilhava na sala vinda de bolas douradas suportadas por campos suspensores móveis. Uma secretária elipsóide com um tampo de madeira petrificada, cor-de-rosa, estava no centro da sala. Cadeiras Veriform rodeavam-na, duas delas ocupadas. Numa sentava-se um jovem de cabelos negros de cerca de dezasseis anos, rosto redondo e olhos carrancudos. Na outra estava um homem esguio, baixo, com rosto efeminado. Ambos olhavam para o globo e para o homem, meio escondido nas sombras, que o fazia girar. Um riso sufocado fez-se ouvir. Uma voz de baixo rugiu, emergindo do riso…”
Excerto de Dune, de Frank Herbert, escritor norte-americano de ficção científica, nascido em 1920 e infelizmente já falecido. Adaptada ao cinema por David Lynch, esta obra tem sido considerada um dos expoentes máximos deste género literário, e nela são abordados temas que vão desde a religião até à política, analisando as eternas ambições humanas e propondo uma cada vez mais premente aliança entre o Homem e a Natureza.
Imagem: Dune (Schoenherr) (http://i107.photobucket.com/albums/m312/KarenAK/Elfwood/Schoenherr-Dune-500.jpg)
“Ao subir a ravina, tivera a primeira sensação de mistério e ameaça, a impressão profunda de que aquela não era uma terra familiar. Com a chegada da primeira luz, parte do medo evaporara-se. Agora ele podia ver se algo se aproximara deles às ocultas; o que visse podia ele enfrentar. Não havia nada para observar, excepto as grandes árvores que cobriam tudo em volta e se curvavam sobre eles, as copas maciças cobertas por espessas camadas de musgo e líquenes, dando-lhes um aspecto tenebroso. A sensação sombria de maldição manteve-se. Aperceberam-se de que falavam em murmúrios, quando falavam, porque o silêncio sob as árvores era tão pesado que parecia irreverente quebrá-lo. (…) Perguntou a si próprio se outros pés além dos deles já teriam alguma vez pisado aquela terra.”
Excerto de Onde Mora o Mal, de Clifford D.Simak, escritor e construtor de mundos alternativos, mencionado pela segunda vez neste blog. A par de O Outro Lado do Tempo, considero este magistral romance o expoente máximo da obra de Simak, que nos transporta muitas vezes para um tempo fora do tempo, e para um universo que, embora paralelo ao nosso, é sabiamente tecido pela fantástica criatividade do autor.
Imagem: Terra Incognita (www.handgraphics.com/SF_Portfolio/Barbero,%20Terra%20Incognita,%20Litho.jpg)
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