Os insectos são os mais bem sucedidos animais terrestres, abundantes nos mais diversos habitats, a excepção sendo verificada em relação aos ambientes marinhos. No nosso planeta contam-se mais de um milhão de espécies, algumas delas verdadeiramente repugnantes, outras manifestando uma eusocialidade que causa espanto e perturbação, a complexidade da estrutura social assemelhando-se à de alguns mamíferos superiores, exigindo processos de comunicação insólitos, de difícil apreensão e que sempre nos causarão estranheza por serem diversos daqueles a que estamos habituados. Tentei utilizar, no conto, algumas das especificidades que tornam os insectos tão desconformes aos nossos olhos, baseando-me, para isso, em algumas informações disponíveis sobre a sua organização e comportamento. Quando era miúdo, gostava de observar as formigas e a forma como pareciam saber o que lhes competia fazer, o sistema de castas firmando a divisão de tarefas. Maravilhava-me com os carreiros que, supunha eu, teriam de estar assinalados de alguma forma, pois os pequenos animais percorriam-nos sempre como se de uma auto-estrada se tratasse. Descobri, algum tempo depois, que usavam uma espécie de marcadores químicos, segregados por glândulas especializadas. Apercebi-me da importância dessas moléculas na vida de diversos organismos e ainda hoje me interrogo acerca das possibilidades que elas podem representar, um fantástico mundo químico de sinais aguardando a exploração. Actualmente, as feromonas são usadas para o controlo de pragas, o engodo químico que tem por finalidade a continuidade da espécie sendo virado contra as próprias criaturas. Neste meu modesto exercício de escrita, fui um pouco mais além, imaginando-as como meio de comunicação efectiva, a alquimia das palavras usando átomos como fonemas…
Imagem: A Formiga e Eu (http://static.howstuffworks.com/gif/the_ant_bully.jpg)
“Perco o meu olhar pelas imensas searas de Helianthus Mizariensis, a folhagem cor de vinho ondeando ao sabor da brisa suave que percorre o vale soalheiro, as pétalas douradas encarando a luz, dela extraindo a energia demandada pelo colossal emissor erguido no cume da pequena elevação sobranceira ao rio, o edifício gémeo abrigando o telescópio óptico, duzentas polegadas de lente especulando o crepúsculo que se avizinha. Acendo o último cigarro, o maço amachucado, agora vazio, apresentando as indeléveis marcas daquilo que foi quase um desastre, o embriagante sabor do tabaco acalmando o desassossego da expectativa. Há horas que o trajecto da horda invasora está a ser seguido, a aceleração positiva e constante pressagiando o êxito da contra-medida. Dois terços da distância percorrida deveriam ter já determinado o disparo dos retrofoguetes, a aproximação ao plano da eclíptica teria de ter sido iniciada num ponto espacial já ultrapassado. Imagens imaginadas transcorrem pela minha mente, os hediondos insectos entregando-se ao fabular acto da procriação, deslembrando tudo numa induzida orgia, as feromonas sintéticas agindo como a derradeira arma biológica... F’zir, o intérprete, desperta-me destas cogitações com imprevisível efusão, os gritos carregados de sons sibilantes denunciando incontida alegria. Haviam sido registados violentos embates no sexto planeta e cerca de uma dezena de naves ultrapassara já o ponto de Lagrange, acercando-se perigosamente de Mizar, a colisão com a estrela afigurando-se como destino indeclinável…! Apago o cigarro, respiro fundo e regresso ao observatório, a fim de contemplar a vitória. Mas eis que algures, a milhões de anos-luz, numa outra dimensão nasce uma Supernova!"
V.A.D. em Insectos
Final sugerido por mnike30
Imagem: Colisão (www.ichthus.info/BigBang/PICS/SL9-02.gif)
“A escuridão cegante da noite informe era trespassada por um sem-número de minúsculos pontos brilhantes, o fabuloso espectáculo de um firmamento discrepante podendo ser observado da superfície gélida e inerte do corpo celeste nos confins do sistema. Uma a uma, as naves-colónia ligavam os portentosos foguetes no apoastro, um rasto luzente de gases em rápida expansão impulsionando massas imensuráveis na direcção da estrela diminuída pela distância, carros de assalto aprestando-se para a conquista, o destino esboçando-se num rio vermelho de sangue, o futuro parecendo colorir-se do azul metálico da hemolinfa… As rotas eram traçadas nos computadores quânticos, os pilotos monitorizavam os cosmolábios e faziam correcções a cada instante, Alcor exercendo uma ténue mas perceptível força, os gravitões puxando os veículos para fora da trajectória. Subitamente, através dos comunicadores de todas as naves, chegou o desejo que representaria o malogro. Os machos abandonavam os seus postos, o estímulo incontrolável do acetato de z-dodecenilo agindo como uma força invisível que os atraía para as fêmeas, as fêmeas respondendo instintivamente com a activação das glândulas localizadas junto ao órgão genital reforçando o frenesi, a premência da cópula superando tudo…”
V.A.D. em Insectos
“Mizar e a sua distante companheira Alcor haviam já baixado para lá do horizonte, o fabuloso crepúsculo pintado em laranja e violeta fazendo-me arrepiar de espanto, as tonalidades alienígenas apresentando toda a magnificência de uma Natureza simultaneamente estranha e familiar. Oitenta anos-luz são um enorme fosso, mas a beleza é universal e apanha-me sempre numa teia que me imobiliza e me deixa boquiaberto. Seguimos em elevada velocidade, num silencioso voo rasante sobre edifícios rasteiros que se confundem com a orografia, a inteligência intervindo na preservação de uma paisagem prodigiosa, o Lugar parecendo paradoxalmente intocado pela civilização. Em poucos minutos atravessamos metade de um continente para sobrevoar um mar que se estende, escuro e imenso, para lá do alcance da vista. Devemos estar próximos do nosso destino; sob as águas protectoras, esconde-se o alcácer onde irei arrazoar perante os representantes da Grande Nação Cinzenta. Trago comigo o medo de uma plateia alienígena, aquele friozinho que desce espinha abaixo sempre que me dirijo a uma grande audiência. Sou portador dos planos de construção de um emissor de entrelaçamento quântico que, em conjugação com a habilidade de síntese molecular dos meus interlocutores, permitirá a aniquilação do inimigo…”
V.A.D. em Insectos
“A primeira das muitas dezenas de naves-colónia interceptava agora a órbita do décimo e último dos planetas que compõem o sistema de Mizar. Dentro de algumas horas, os poderosos motores químicos funcionariam de novo para iniciar a travagem, a alteração de velocidade permitindo que a gravitação do corpo celeste prendesse a máquina com fios imaginários, o metabolismo dos seus passageiros sendo gradativamente acelerado pela energia recolhida dos sóis gémeos, o estado de dormência longo de alguns anos sendo substituído pela frenética actividade de apresto para a invasão. A eusocialidade dá a cada casta uma função específica, a rígida hierarquia traduzindo-se num funcionamento síncrono do numeroso grupo, as feromonas enchendo o ar pesado com ordens e comunicados. Diversos veículos de caça haviam sido já enviados para o alvo, os batedores tendo como legacia a averiguação de ameaças. Um contínuo fluxo de informação inundava a ponte de comando, o marechal-de-campo e os adjuntos analisando os dados fornecidos pelos aparelhos de entrelaçamento quântico que mimetizavam instantaneamente as moléculas orgânicas segregadas pelas glândulas comunicacionais dos guerreiros e dos dispositivos sensoriais incorporados nos próprios veículos. A certo ponto, algo definitivamente desigual diferenciou-se insidiosamente da regularidade expectável: um objecto voador não identificado acabava de ser abatido…”
V.A.D. em Insectos
Imagem: Insecto (http://piclib.nhm.ac.uk/piclib/webimages/0/30000/300/30302_med.jpg)
“Acordo entre a pureza de paredes abobadadas e imaculadamente brancas, brilhando com a luminosidade própria das moléculas orgânicas desenvolvidas pelos autóctones, a bioengenharia constituindo a expressão máxima da tecnologia dos aliados. Não sinto dores e a perna parece responder na perfeição às ordens que o meu cérebro emite. Instintivamente, percebo estar num nosocómio, o gel translúcido onde o meu corpo está mergulhado fazendo o trabalho de reconstrução dos tecidos danificados pela queda da nave, abatida por uma patrulha de insectos, o cerco fechando-se inexoravelmente sobre o quarto planeta do sistema mizariano. Acompanhado de um intérprete, o Kriegsherr planetário entra na divisão e o seu corpo esguio e cinzento inclina-se numa vénia, ao mesmo tempo que a bolha que me envolve se esvazia, nove décimos da gravidade terrestre fazendo assentar os meus pés descalços num chão que parece veludo. Depois de um duche ultra-sónico, cubro a minha nudez com o fato de voo cuidadosamente reparado por engenhosas mãos e sigo-os até à brisa morna do exterior. Aguarda-nos um veículo automático que nos transportará até à sede do governo, os planos de retaliação cuidadosamente preparados e contidos na minha cabeça havendo de ser apresentados e discutidos, o poder de uma aliança improvável proporcionando a única esperança contra os ventos de destruição soprados pelos enxames desapiedados…”
V.A.D. em Insectos
“Nos confins da Via Láctea, muito para além das dezenas de anos-luz que separam a Terra do centro galáctico, uma inconcebível e temerosa sociedade floresceu, incontáveis éons permitindo o desabrochar da inteligência em seres de pesadelo, a selecção natural dizimando mamíferos e répteis e deixando todo um planeta entregue a complexos organismos insectiformes. Ao longo da evolução, os insectos desenvolveram uma apetência cada vez maior pelo agnição, a comunicação feita de intrincadas linguagens químicas permitindo a transferência de informação entre indivíduos levando à criação de uma tecnologia em nada inferior à de outras raças, a feroz competição obrigando ao desenvolvimento de estratégias cada vez mais complexas, a exponencial taxa de natalidade exaurindo os recursos e obrigando à expansão. Os sistemas solares das proximidades foram varridos por naves de exploração, os globos que apresentavam recursos importantes sendo rápida e selvaticamente conquistados, as espécies nativas sendo dizimadas num cego e voraz apetite, demitido de quaisquer cuidados que não o assegurar de alimento para os enxames que cresciam como praga de gafanhotos. E, quando o solo se tornava estéril e os ecossistemas morriam, partiam em enormes naves, a busca de novos domínios tornando-se crucial…”
V.A.D. em Insectos
Imagem: Descolagem (original em http://images.elfwood.com/art/p/a/parnanen/leaving.jpg)
“O infernal calor desarranja-me, a secura de palha estival enche-me a boca, o sabor acerbo do fumo dificultando a respiração ofegante, o fulgor de dois sóis, altos no céu cerúleo, crestando a pele já tisnada. No meu espírito, ecoa um brado aflito e lancinante, o ego gritando que quer viver, que nada mais importa. Deixem que o mundo arda, desde que eu possa viver…! Reúnem-se energias onde a morte ronda, um empenho descomunal arrastando-me para longe da nave em chamas, o metal rasgado expondo as entranhas mecânicas num braseiro de plástico e metal arrevesado, o bafo malcheiroso do perigo materializando-se em volutas negras. Rastejo até encontrar a sombra de uma árvore, enquanto a ardência dos olhos inflamados confunde a vista. Rir-me-ia se as dores excruciantes não me toldassem a razão, a fractura exposta obrigando ao cerrar dos lábios, a perna latejando num martelar de tendões desfeitos e ossos rasgando a pele. Parece que ainda não foi desta que os insectos me apanharam…! Num derradeiro esforço, encosto-me ao tronco e ligo o emissor de emergência; talvez os impulsos de microondas sejam captados e tragam a salvação. Antes de desmaiar vêm-me à mente recordações tão difusas e longínquas quanto as imagens da Terra há tanto tempo trocada por uma guerra que é também da humanidade…”
V.A.D. em Insectos
Imagem: Fogo e Fumo (http://newsimg.bbc.co.uk/media/images/42000000/jpg/_42000732_fire_416.jpg)
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