“Os dias tornaram-se noutros dias, as noites aumentaram de tamanho e o tempo em que o fogo brilhava no céu encolheu como uma peça de vestuário, urdida de lanugem de merino, sujeita à água. O manto castanho e dourado de um Outono serôdio desvanecia-se, fumarento, sobre a Terra, dando lugar à friagem branca das geadas e às alvoradas cinzentas e opacas de neblina. Três grupos de dez marcas, feitas num osso de bisonte com a afiada faca de sílex, serviam-me para a contagem do tempo. Em breve, mais um sinal seria gravado, mais um solstício de Inverno em rápido achegamento, anunciando a austeridade das próximas luas, fazendo conjecturar a morte de alguns anciãos, incapazes de resistir às chuvas geladas, espirros da Deusa-Mãe, agastada, trazendo o infortúnio ao clã. A roda do ano não podia terminar sem que a essa divindade tríplice fossem feitas oferendas: leite para a virgem, carne de veado para a mãe, cereais para a anciã. O conselho tribal havia-se reunido, aos primeiros raios de luz, na clareira entre as habitações, redondas e feitas de argila e madeira, em frente à Casa Comunitária, e decidira a quem pertenceria a honra de acompanhar o sacerdote, na subida à grande montanha dos gelos eternos…”
V.A.D. em Otztal
Imagem: Alpes de Otztal (www.alovelyworld.com/webautri/gimage/autri54.jpg)
Queria descer os abismos do passado e retornar à alvorada dos tempos. Queria voar sobre o incandescente oceano de magma, aquecido pela fornalha radioactiva alimentada pelos elementos pesados, gerados há incontáveis evos no interior de supernovas nunca vislumbradas. Queria assistir à formidável chuva de meteoritos, qual fogo de artifício a riscar céus negros como breu, e presenciar os eventos cataclísmicos resultantes de tal portentoso espectáculo. Queria maravilhar-me com a desolação hadeana e assistir à dança rodopiante dos pedaços de Terra fazendo a Lua. Queria olhar directamente para o jovem Sol, ainda pálido e sem forças, e sentir na pele a feroz força da radiação crua. Queria sentir nos meus pulmões, por breves segundos, a estranha mistura de gases que compunham aquela atmosfera nova, de cor laranja, onde cada vez mais nuvens carregadas de água iam largando dilúvios. Queria ver o nascimento dos primeiros rios, sobre os primevos basaltos… Queria viajar no tempo e ver…
Imagem: Hadeano (http://www2.uol.com.br/sciam/imagens/materia/abre_terra.jpg)
O físico inglês Michael Faraday recebeu, um dia, a visita da rainha Vitória. Ela estava curiosa por saber que utilidade tinham as pesquisas do cientista, cujas descobertas incluíam os princípios básicos da electricidade e do magnetismo, então de aplicação prática, no mínimo, pouco evidente. Faraday respondeu com outra pergunta: Madame, replicou, e qual é a utilidade de um bebé? Quase dois séculos depois, a rainha teria ficado admirada, ao descobrir um mundo povoado por telemóveis, televisores, hidroeléctricas, computadores… Resultantes, em última análise, do génio de Faraday. Durante este intervalo de tempo, ganhámos uma consciência muito mais aguda da importância da ciência e da necessidade da sua divulgação. Para acompanhar o ritmo do desenvolvimento científico, a quantidade de publicações dedicadas a este campo cresceu aceleradamente nos últimos anos. Mas, constato também um incremento assustador no número de revistas e de livros virados para as falsas ciências, e assumo que isto reflecte um interesse crescente por esses temas. Não deixo de me preocupar com este facto: precisaremos de retornar ao obscurantismo? Não será o verdadeiro conhecimento suficientemente empolgante?
Imagem: Lâmpada (http://webac.ci.uminho.pt/nefum/enef06/Imagens/Lampada.jpg)
Estava-se na caprichosa época do Pleistoceno. A adaptabilidade era a chave da sobrevivência para qualquer espécie. O clima era incerto; os gelos avançavam e recuavam na Europa e na América do Norte, seguindo os padrões da precipitação em África. Numa savana semidesértica do continente que foi berço da humanidade, um pequeno grupo de hominídeos havia organizado o seu acampamento junto à margem de um ribeiro de águas límpidas e tranquilas. No horizonte, a oeste, uma cadeia montanhosa estendia-se, imponente, até se perder de vista. De um dos cumes saía um fumo branco e espesso e, de tempos a tempos, a montanha rugia, vomitando das suas entranhas pedras incandescentes que inflamavam as ervas altas e secas. A tribo sabia já usar aquela dádiva da Natureza. Serviam-se frequentemente do fogo para afastar os grandes predadores nocturnos, mas ainda não haviam considerado a hipótese de o usar para cozinhar os alimentos. Durante o dia, sabiam tomar conta de si próprios. Usavam machados de pedra e clavas com um aspecto não menos ameaçador...
Imagem: Vulcão "Ol Doinyo Longai" (www.mtsu.edu/~fbelton/flankview00.jpg)
“Estava ali na Mese, a artéria principal de Constantinopla, a mais esplêndida cidade do mundo. Se não tivesse entrado para os magistrianoi, provavelmente nunca teria posto os pés na capital do império. Uma procissão de padres descia a rua vinda de oeste, direita à grande catedral de Hagia Sofia. Alguns erguiam velas e outros cruzes de madeira, enquanto um mostrava a imagem de um santo. Argyros benzeu-se piedosamente quando ouviu o hino que eles cantavam e sorriu. Mesmo que tudo o mais não o conseguisse fazer, esse hino recordar-lhe-ia o que se festejava nesse dia. Ainda que Maomé tivesse morrido havia quase setecentos anos, os seus versos religiosos continuavam a comover os bons cristãos.”
Excerto de Agente de Bizâncio, de Harry Turtledove, historiador e escritor norte-americano.
Têm havido muitas ocasiões em que o destino da humanidade parece ter estado suspenso de um único acontecimento. Que teria acontecido se Roosevelt não tivesse assinado, num sábado, a directiva que pôs em marcha o que viria a ser conhecido como Projecto Manhattan? Ter-se-ia a Alemanha antecipado na construção da bomba atómica? Teríamos hoje o idioma germânico como língua oficial? Nesta fabulosa obra, estamos perante um outro “se” da História. Que aconteceria se a tentativa de Justiniano de restabelecer o Império não tivesse falhado? E se o Império Bizantino pudesse ter detido os Zoroastrianos persas e se o Islão não tivesse surgido para destruir estes e enfraquecer inapelavelmente aquele? Teria Bizâncio podido sustentar a cultura greco-romana, intacta e completa para o futuro…?
Imagem: Hagia Sofia (www.export.nrw.de/export/hagia_sofia.jpg)
Até há cerca de seiscentos milhões de anos, todas as formas de vida existentes no nosso planeta eram constituídas por células sem núcleo, chamadas procarióticas, que se reproduziam assexuadamente, fazendo cópias exactas de si mesmas. No período Cambriano, começaram a surgir as células eucarióticas, possuidoras de um núcleo que funciona como o centro de controlo da célula e onde decorrem o armazenamento e a replicação do ADN. Este novo tipo de células revelou-se capaz de se multiplicar através da reprodução sexuada, que implica a combinação de genes de dois seres separados, cada um deles contribuindo com metade do material genético que o descendente usará na determinação das suas características. Este passo simples, mas decisivo, desencadeou uma explosão evolucionária. As células eucarióticas aumentaram drasticamente a sua variedade e adaptabilidade através do processo de selecção natural, dando origem a uma infinidade de espécies, na qual se inclui o Homem. Paralelamente, nos dois mil milhões de anos da sua existência, as algas procarióticas azuis e verdes, e as bactérias, que ainda se reproduzem assexuadamente, continuam a ser o que sempre foram. Em jeito de brincadeira, daqui se podem concluir duas coisas: o sexo é antigo e, se não tivesse aparecido, seríamos algas ou, na melhor das hipóteses, bactérias…
Imagem: Eucarionte (www.bbc.co.uk/portuguese/especial/images/49_oceano/212235_mar07.jpg)
As devastações causadas no passado pela natureza excederam em muito as provocadas pelo Homem. A perspectiva de catástrofes não é novidade para as sociedades humanas: a peste bubónica matou talvez 75 milhões de pessoas e causou o desaparecimento de comunidades em grandes áreas da Europa e da Ásia durante a Idade Média; na China, nos finais do século dezanove, a fome dizimou um contingente de camponeses estimado em mais de duas dezenas de milhão. Desde então, inundações, longos períodos de seca, furacões e epidemias continuam a atestar os contínuos caprichos destruidores da natureza. Por ignorância e avidez, a humanidade muitas vezes acelerou a deterioração do ecossistema global com a erosão do solo, com o derrube de florestas, com o cultivo exagerado e impróprio dos campos e, no último século, com o aumento exponencial da emissão de gases que representam um perigo acrescido para a estabilidade, sempre precária, do clima do nosso planeta. Equilibrar crescimento e declínio, cautela e desenvolvimento, Homem e Natureza, é um requisito essencial para que possamos manter um modo de vida tolerável.
Imagem: Devastação (www.artuk.co.uk/waashow2/azure/artwork/In%20Devastation1.jpg)
“Ia só, subindo lentamente a muralha da Serra D’Aire que defendia os terrenos de Fátima, a quem os árabes deram o nome da filha do profeta e de Khadidja, e onde os Templários esconderam o seu tesouro. O tempo de Verão estava carregado de nuvens e de electricidade, prenúncio de trovoadas que podiam surgir do céu de chumbo. Não se via vivalma. À volta das habitações restavam os inúteis quebra-lobos para proteger o gado doméstico desaparecido destas paragens. Os deuses originários do Médio Oriente elegeram esta imensa ilha de pedra encalhada na península Ibérica para as aparições dos seus enviados, certamente pelas semelhanças que nela encontraram com o seu berço, porque não descortino outra razão para fazer dela uma terra quase eleita, quando é acima de tudo inóspita e, de entre os homens, apenas seduz os desesperados peregrinos. Seriam deles as sombras que pressentia moverem-se atrás das rochas, quando me julgavam a olhar para outro lado? Era uma experiência desagradável sentirmo-nos debaixo da observação de sentinelas, mesmo num local que se presumia de paz e de bênçãos.”
Excerto de O Livro Das Maravilhas, de Carlos Vale Ferraz, natural de Vila Nova da Barquinha, Santarém. Nesta obra, Gerberto, o protagonista, viaja O longo de um caminho que atravessa alguns dos locais mais marcantes do Ocidente, perseguindo aquilo que move o homem europeu ao longo do último milénio: a procura da glória e da riqueza, tantas vezes marcada pela solidão e pela vilania. Ferraz é autor de romances como Nó Cego e Os Lobos Não Usam Coleira, tendo este último sido adaptado para o cinema sob o título de Os Imortais.
Imagem: Medina Azahara (www.espacionatural.com/4images/data/media/134/Medina_Azahara.jpg)
Há quase mil anos, durante a sua vigília na madrugada, uns poucos minutos antes do Sol nascer, o astrónomo imperial chinês Yang Wei-te viu algo surpreendente: um objecto celeste muito mais brilhante que Vénus ou qualquer outra estrela que ele jamais tivesse observado. Bastante familiarizado com as constelações, o astrónomo chinês imediatamente percebeu que naquela noite algo de extraordinário acontecera na Constelação do Touro. Ele registou cuidadosamente as suas observações e pensamentos: "Faço a minha reverência. Tive o privilégio de observar o fenómeno de uma estrela-hóspede. A sua cor é levemente iridescente.” Anotou também oficialmente a data do evento como sendo “o dia de Chih Chih na quinta lua do primeiro ano do período Shih-huo”. Para nós, esse foi o dia 4 de Julho de 1054. Hoje, sabemos que Yang testemunhou a criação de uma estrela de neutrões, uma das muitas estrelas desse tipo que estão agora a ajudar os cosmólogos a explicar um dos mais bizarros e espantosos objectos celestes. A estrela-hóspede era tão brilhante que pôde ser vista com facilidade em plena luz do dia durante o resto do mês de Julho. Após um ano, entretanto, “ela apagou-se e ficou invisível”. Se apontarmos um telescópio para o local do aparecimento desta luz brilhante no céu, encontraremos a magnífica nebulosa do Caranguejo, restos de uma supernova, uma estrela cuja vida terminou numa violenta explosão, seis milénios antes de Yang a ter visto: a sua luz esse tempo a chegar à Terra. No presente, a nebulosa do Caranguejo tem um diâmetro de 10 anos-luz; os gases expandiram-se consideravelmente durante os últimos nove séculos e meio.
Imagem: Nebulosa do Caranguejo (www.globalgeografia.com/satellite/m1.jpg)
Nenhum ser humano é uma ilha completamente inacessível. De facto, as pessoas são menos felizes e saudáveis na solidão do que quando inseridas num grupo, seja este de cariz familiar, formado por compatriotas ou, inclusivamente, constituído por indivíduos com os quais existe um qualquer grau de identificação, mesmo que efémero. Mas as tribos podem ser traiçoeiras; num momento tão sólidas e no seguinte tão evanescentes. Na Alemanha, a fidelidade ao Reich de Mil Anos caiu de um dia para o outro, bastando para isso o sabor amargo da derrota. Em Julho de 2005, bombistas suicidas fizeram-se explodir no metro londrino, causando a morte a dezenas de inocentes, em nome do radicalismo islâmico. O que mais horroriza é o facto de estes homens não serem intrusos estrangeiros, mas sim ingleses, nascidos e criados no país que acolheu os pais, e que lhes proporcionou uma vida com uma qualidade que nem sequer podia ser almejada na terra dos antepassados. Como disse um antigo demagogo, o nosso vizinho simpático pode tornar-se num inimigo mortal. Estes são meros exemplos do quão mutáveis são as novas tribos, entidades em constante transformação em relação umas às outras, exibindo fronteiras muito pouco claras e cuja definição é, também ela, muito subjectiva.
Imagem: Nazismo (www.anairhoads.org/graphics/nazi.jpg)
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