“Alimento-me de ilusões, vivo dominado por desejos. Amiudadamente, crio ao meu redor um Universo de ficção, convencendo-me da minha bondade, quando aquilo que quero não passa de uma manifestação egoísta de amor-próprio, a vontade de olhar o próprio umbigo sobrepondo-se à regularidade ponderada de uma existência serenamente inquieta. Nessas alturas, um louco insinua-se no interior do meu crânio, ainda que por breves instantes, conspurcando, fazendo do meu espírito um lugar sebento, a imundície da sua actividade desvairada deixando na atmosfera o odor pútrido do destempero, os corredores repugnantes da perversidade, desselados momentaneamente, pejando-se de fantasmas e tesouros amaldiçoados, sanguessugas e vermes de vorazes e acres apetites. Grutas sulfurosas e labirínticos subterrâneos servem-lhes de morada, negrumes escuros, escorrendo pelas paredes da mente adoecida, são rasgados pela vermelhidão atroz do sangue infecto, a infinita complexidade e horror da condição humana sendo-me revelada pela natureza reptiliana do subconsciente. E depois, imobilizando-me, esforço-me por expulsar aquele agoniante fedor dos meus pulmões…”
V.A.D. em Fedor
Imagem: Obnóxio (http://www.spirit-of metal.com/les%20goupes/A/Attitude%20Adjustment/The%20Good,%20The%20Bad,%20The%20Obnoxious/The%20Good,%20The%20Bad,%20The%20Obnoxious.jpg)
De
**** a 2 de Fevereiro de 2008 às 20:31
"fazendo do meu espírito um lugar sebento, a imundície da sua actividade desvairada deixando na atmosfera o odor pútrido do destempero" – é natural que sejamos deveras perversos por vezes, que façamos coisas simplesmente nojentas, que sintamos que somos incorrectos. Estamos confinados à condição humana e a única forma de evitar que esses “corredores repugnantes da perversidade” sejam desselados é deixar de viver, deixar de agir, isolarmo-nos por completos dos outros. De outra forma há sempre o risco de magoar ou ser magoado, de sofrer ou causar sofrimento pelas nossas acções ou inacções.
O que devemos temer não é tanto esse cheiro, esse “agoniante fedor”, mas o momento em que nos habituemos a ele de tal forma que deixemos de notar que ele nos corroí pulmões e alma ou, pior, o instante em que, embora sabendo da sua horripilante presença, deixemos de ter força ou vontade de o afastar.
Mais uma vez consegues transmitir os sentimentos no texto... quase que se consegue sentir toda a violência desta possessão, o quão dolorosa pode ser essa tomada de consciência e esse cheiro agre cheiro.
Beijos
com um perfume mais suave
Sophia
Ps – Gosto da música, se bem que ache que também é preciso ser um pouco especial para reconhecer quando somos canalhas - “I don't care if it hurts / I want to have control”
De
V.A.D. a 3 de Fevereiro de 2008 às 01:31
A perversidade, embora fazendo-se notar sobretudo através de estranhos e horríveis pensamentos, não deixa de ser assustadora, uma vez que é como que uma porta entreaberta para os lugares escuros e peçonhentos que são alguns dos recantos da nossa mente.
Concordo em absoluto contigo, quando dizes que negar esses momentos, em que o louco se apossa de nós, é negar a própria condição humana; a complexidade que nos é intrínseca tem facetas de que não gostamos mas que podem e devem ser controladas.
Amiga, felizmente estas ocorrências são raras em mim, e creio ser capaz de as dominar: lutando contra elas, levo-as de vencida, mas não deixo de me assustar com o louco que se esconde, sorrateiro, à espera de uma oportunidade para me importunar... :-)
Obrigado, amiga. Embora muitas vezes não o consiga, tento sempre emprestar à escrita a intensidade das minhas divagações que, podendo estar eivadas de ideias erradas, espelham o meu entendimento das coisas... :-)
Desejo-te uma óptima noite e um domingo cheio de sã loucura...! :-)
Um beijo, sorridente e perfumado... :-)
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