Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2008

Nascer

                 

Devia ter-me contentado com a permanência num lugar sem nome nem forma, as trevas densas e quentes aconchegando a mente entorpecida, a ausência de ser diluindo o senso e a memória, apenas uma arredada e imponderável sensação, vinda de qualquer parte incógnita, afirmando o existir? Devia ter-me deixado levar pelos difusos rendilhados do pensamento eterizado, a poalha de mim mesmo vogando nas cristas informes de sonhos desconexos, o sopro da eternidade adormentada espalhando ao vento a espuma da razão? Devia ter evitado a estranheza que retorce o espírito, o expressivo pressentimento de um Universo por apreender gerando espanto e curiosidade, a agitação da  demanda infindável corroendo e, simultaneamente, acoroçoando? Devia ter-me recusado a ver o céu que explode em azuis fulgurantes e a luz jorrando em caudais energéticos que tudo moldam, a epítome da vida sendo redigida perante os meus olhos? Devia ter-me demorado nesse local resguardado e protector, a voz calada e os ouvidos surdos acobertando-me da volubilidade do mundo, estas mesmas perguntas não podendo ser feitas, as respostas sendo desautorizadas pela falta de sentido? Não! Nasci porque tinha de nascer. Raciocino, sinto e maravilho-me!

Vídeo: Teardrop (Massive Attack & Liz Fraser) (http://www.youtube.com/watch?v=fG8eQBSp9Ao)


publicado por V.A.D. às 01:02
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7 comentários:
De Siala Ap Maeve a 21 de Janeiro de 2008 às 09:55
...e ainda bem que decidiste vir :) upsss...nascer!
Bjos meus


De V.A.D. a 22 de Janeiro de 2008 às 01:39
Não me coube a mim decidir; o nascituro não dispõe de livre arbítrio... Mas sim, sinto-me satisfeito por ter vindo... A este mundo, eheheheh :-)
Agradecendo a tua visita, desejo-te uma excelente noite!

Um beijo... :-)


De **** a 21 de Janeiro de 2008 às 14:20
"Raciocino, sinto..." e maravilhas-me.

Gostei especialmente do tipo de texto, cheio de questões aparentemente complexas que convergem todas para esse não tão definitivo.
Pois bem... concordo. "Nasci porque tinha de nascer", ninguém nos perguntou se queriamos nascer, se achávamos que valia a pena, se julgariamos que o balanço na hora final seria positivo. Se não nascessemos não sofreriamos, é verdade, mas prefiro sentir dor do que não sentir nada, angustiar-me com as perguntas sem resposta do que não as fazer.

Contudo recordar essa realidade anterior tão acolhedora, reconfortante, quente deveria ser simplesmente fantástico... Há momentos em que a permanência no útero materno seria bastante tentadora.

Muitos beijos
e que continues por mais um "sopro de eternidade" a achar que não devias ter ficado lá dentro

Sophia


De V.A.D. a 22 de Janeiro de 2008 às 02:05
É um não impreterível, feito da convicção de que a vida vale mesmo a pena, o esforço sendo compensado com a maravilha do entendimento, as pontuais dificuldades do percurso menorizadas pelo desafio constante, o sabor da descoberta permanente diluindo a dor que às vezes se instala na cabeça...

Enquanto nascituros, não dispomos de livre arbítrio; dependemos da vontade e da bondade de quem carrega consigo o projecto de ser humano, a evolução providenciando que a mãe proteja o feto e depois a criança... E o carácter que se molda nos tenros anos dependendo tanto dos progenitores...!

Quando comecei a escrever o texto não fazia ideia de como iria concluí-lo. Foi sendo construído com base no pasmo de existir enquanto ser pensante capaz de, modestamente, imaginar o tempo antes do nascimento e a letargia aconchegante de um lugar protector.

Maravilho-me sempre com as tuas palavras e com a forma como analisas o que escrevo. Que o sopro de eternidade te possa também bafejar!

Um beijo... :-)


De Emanuela a 22 de Janeiro de 2008 às 01:04
Um post lindíssimo, maravilhosamente ilustrado pelo vídeo...
A vida, por mais difícil que tantas vezes me pareça, é um dom que sempre agradeço e vejo como mágica também a forma como fui concebida . Isto é motivo para que eu seja contrária aos abortos.
E prefiro a velhice( apesar de viver lutando para que ela não se instale), do que morrer jovem. Há muito que se viver!
Um beijinho.


De V.A.D. a 22 de Janeiro de 2008 às 02:16
A vida é um bem de valor inestimável, a capacidade de entendermos alguns dos seus enigmas representando um hino à inteligência, os obstáculos constituindo desafios que trazem sabor à existência, a suavidade aveludada dos dias felizes garantindo um sopro de realização...

A velhice (que ainda está longe, eheheh) é um pedaço do caminho a ser percorrido, talvez com maior lentidão mas não com menor entusiasmo...! Pois que se pode envelhecer fisicamente e permanecer jovem de espírito...!

Amiga, agradecendo as tuas palavras, desejo-te uma excelente noite!

Um beijo... :-)


De Fenix a 7 de Agosto de 2010 às 19:55
Olá!

Descobri hoje este blogue e chamou-me a atenção este post, "Nascer", publicado a 21 de Janeiro. Porque eu nasci a 21 de Janeiro! :-)

Hei-de continuar a ler. Parece-me muito interessante este blogue.

Beijo
Fenix


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