E a chuva havia parado. À esquerda, a terra macia, lavrada de castanho-escuro, parecia exalar o cheiro de mil manhãs de orvalho, mas era numa tarde do princípio de um Janeiro qualquer, quando as nuvens plúmbeas encobriam o sol e o vento frio soprava, arisco, sobre os ramos nus das árvores do jardim, que a minha consciência assegurava estar. À minha frente, a extensão verde da relva era delimitada por um canteiro de rosas por desabrochar, encostado ao muro de tijolo rebocado, para lá do qual o marulhar da água, em corredura pela valeta, trazia à lembrança outros Invernos e o agradável barulho da regueira cheia, no cavado do pequeno vale adjacente à velha casa da minha meninice, a grossa porta de madeira, adjacente ao pátio encharcado, servindo de acesso ao palheiro desnivelado, onde os voos em queda livre se faziam a partir do lintel, um ou dois metros acima do nível da palha solta que amortecia a queda e fazia sonhar com aventuras aéreas, um batalhão de pára-quedistas saltando para um território inventado. Indeclinável, o recuo a um tempo em que as tardes depois da escola eram passadas em brincadeiras soltas, o irmão e os primos como camaradas, o aguaceiro caindo lá fora ressoando nas telhas sobre os barrotes assentes na espessa viga mestra, contradizendo a sequidão da forragem enxuta…
Imagem: Chuva (http://tn3-2.deviantart.com/fs6/300W/i/2005/071/2/f/Rain_by_silent_reverie.jpg)
De
J.C. a 6 de Janeiro de 2008 às 03:06
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 22:48
Convite aceite e prontamente concretizado... :-)
Obrigado pelo amável gesto.
Votos de uma óptima noite e de uma excelente semana!
Um abraço.
De
Emanuela a 6 de Janeiro de 2008 às 03:11
Memórias...Às vezes elas se fazem tão fortes a partir de um aroma como este, de terra molhada. E nos levam a estas "viagens" no tempo, tão reais que se fecharmos os olhos, parece que somos capazes mesmo de deslocar nosso corpo até lá. Muito bom! Estava com saudades de posts assim, onde traduzes tão bem teu sentir.
Um beijinho, meu amigo desejando que teu domingo seja repleteto de bons momentos!
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 23:01
Há cheiros que nos transportam de imediato a outros tempos, a nostalgia parecendo ser despoletada de maneira abrupta e intensa, as maravilhosas recordações de momentos cheios da magia própria da meninice inundando a mente... :-)
Obrigado, amiga... Sou feito de fases e talvez esta seja uma nova... :-)
Também eu espero que o teu domingo esteja a ser muito agradável e que a semana possa ser cheia de alegria e sorrisos!
Um beijo... :-)
De
alexiaa a 6 de Janeiro de 2008 às 17:22
Afianço-te que esperei a qualquer altura ver a Mary Poppins aterrar no tão maravilhosamente descrito local de memórias!
Aposto que este fim-de-semana te inspirou tais recordações…esteve propício a tal!
Beijo nada plúmbeo:), as coisas que me obrigas a pesquisar serão de alguma utilidade um dia destes?:))))
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 23:17
O fim-de-semana, cinzento e chuvoso, contribuiu para o desencadear destas recordações, o momento sendo exactamente o descrito... :-)
Bem, nem a Mary Poppins, com o seu guarda-chuva e a sua maleta mágica, conseguiria serenar a reguilice deste bando de miúdos irrequietos, ehehehe!
Nem todas as coisas precisam de ter utilidade, mas é útil que as saibamos... :-)))
Um beijo... :-)
De
alexiaa a 6 de Janeiro de 2008 às 17:23
Ai que felicidade já não teres aqueles caracteres malditos, um beijo extra só por causa disso:))
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 23:04
Eheheheh, também os achava chatos como o raio, mas ainda não tinha procurado a forma de os eliminar... Decidi-me a fazê-lo, e o resultado satisfaz-me: pelo menos valeu-me um beijinho extra! ;-)
De ______ a 6 de Janeiro de 2008 às 18:58
ºOlá e a chuva lá fora cai e estende-se a minha preguiça, não sei onde foi a energia que me deixa assim a querer sossego num estar bem aconchegante.
ºCcomo bem sabes há coisas q nos reconciliam com as nossas sombras e o cheiro a terra molhada é um deles, talvez porque voltamos por instantes ás nossas origens.
Um beijo e um sorriso que a noite seja excelente :)
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 23:30
Olá :-) Nestes dias assim, invernosos e cinzentos, o aconchego de uma casa acolhedora parece não querer ser abandonado... Mas eu não resisto a aproveitar as delícias de um passeio domingueiro; fui ver o Tejo na sua foz e depois a marginal pareceu-me bonita com menos trânsito que o habitual... E um café bem quente, sobre a falésia atlântica, encalma corpo e mente...
Há tanta coisa que me reconcilia com o mundo... A maresia, uma simples paisagem e, definitivamente, o cheiro da terra molhada...
Obrigado, Ki... Também eu te desejo uma noite agradável e uma magnífica semana!
Um beijo... sorridente... :-)
De
**** a 6 de Janeiro de 2008 às 21:32
chuva pára lá fora, mas ecos das águas outrora caídas impõem a sua continuidade na memória.
A minha infância foi muito diferente dessas quedas para o molhe de palha… tenho pena de não ter tido tardes chuvosas como essas.
Não sei se vieste a ter oportunidade de materializar esse território inventado e viver essas aventuras outrora sonhadas. Se és piloto ou pára-quedista não posso precisar, mas como escritor fazes a tarefa na perfeição, com os teus textos consegues fazer-me voar para bem longe… Se bem que tenho de confessar que o tempo neste momento não seja convidativo a grandes voos…
Beijos sempre enviados, faça sol ou faça chuva,
Sophia
P.S. – Uma curiosidade… que vias à tua direita?
De
V.A.D. a 6 de Janeiro de 2008 às 23:56
"Os dias de passados distantes, são revividos com nostalgia. Dias de despreocupação, fascinantes, carregados de beleza e magia..." :-)
A minha infância campestre traz-me sempre gratas recordações. Muito diferente da actual, era uma vida cheia de uma simplicidade impensável nos dias de hoje. Não haviam jogos electrónicos (a não não ser em alguns cafés com salas próprias, vedadas a menores) e muitas das brincadeiras e brinquedos eram de produção própria, a imaginação a ser forçada a desenvolver entretenimentos...
Tive a oportunidade de trabalhar numa área que sempre me fascinou: a aeronáutica. De há alguns anos para cá, por opção própria, mudei de ramo, mas nunca deixarei de olhar para trás e perceber a sorte que tive por poder desbravar territórios antes inventados... :-)
Obrigado, amiga, pelas tuas palavras... :-)
Um beijo... :-)
P.S. "À minha direita, o portão deslizante, de metal negro como a noite, confluía com a estrada agora alcatroada, que ainda recordo de terra batida, a pista de mil corridas de bicicleta, tantas vezes terminadas pelos joelhos esfolados e a roupa rasgada..."
De
Fisga a 9 de Janeiro de 2008 às 13:20
Quando comecei a ler este post. Até pensei que se tratava de um lavrador alentejano mas depois verifiquei que era de facto um amigo, o V: A: D: Pois é esta história fez-me lembrar algo que eu já tinha esquecido, o cheiro da terra lavrada. Quando eu era tropa, na hora da chegada do correio, íamos todos a correr a ver se tínhamos correspondência, quando não havia carta para mim eu dizia: Paciência da ilusão também se vive. Mas eu acho que se vive muito mais das recordações. Gostei, porque me fez recuar no tempo, e quando se recua no tempo tem-se a sensação de ser mais novo. Um abraço, do fisga
De
V.A.D. a 10 de Janeiro de 2008 às 03:00
As memórias transportam-nos a outras épocas, e embora o passado não possa ser revivido não pode nem deve ser posto de lado...
Agradeço as suas palavras, amigo, e aproveito para lhe desejar uma óptima noite!
Um abraço.
De
Fisga a 10 de Janeiro de 2008 às 12:07
Amigo V.A.D. você não imagina quanto eu adoro recordar o passado, por cada vez que eu relembro o passado eu cresço mais um bocadinho, não sei se o mesmo se passa com as outras pessoas. Um abraço e um bom dia de luta.
De
V.A.D. a 11 de Janeiro de 2008 às 03:01
Embora esteja longe de me considerar velho, vou percebendo que as memórias, especialmente as da infância, vão tendo uma cada vez maior importância, pois é agradável recordar episódios que foram marcantes, pela maravilha que constituíram e pela simplicidade da vida naqueles tempos.
Um abraço.
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