
“A escuridade tombou sobre o mundo. A noite, avançando inexoravelmente, trazia o frio que se me cravava na pele em rajadas de dor, os pulmões ardendo a cada inspiração, os olhos marejados de lágrimas, numa objecção surda contra o vento. Abria caminho a custo através da neve caída ao final da tarde, afundando-me até aos joelhos, a precisão de me manter em movimento, para não gelar, obrigando-me àquele esforço adicional. Coubera-me a tarefa de guardar a entrada da caverna onde pernoitávamos, até que a lua fizesse a sua aparição nos céus. Os lobos, certamente sentido o cheiro da carne fresca do veado, enchiam a atmosfera com uivos lúgubres e apavorantes e a débil fogueira que o Tatuado ateara carecia de lenha que a alimentasse e fizesse crescer. Fitava o vazio, semicerrando os olhos, quando a besta se abateu sobre mim, derrubando-me como a um estafermo. Senti o hálito quente no meu pescoço e só a rapidez da minha reacção, colocando um braço a amparar a arremetida, impediu que a morte me tivesse levado de imediato. Ferido, mas com uma enorme vontade de viver, ergui-me gritando como um louco, enquanto o machado que empunhava ganhava como que vida própria, desferindo golpes a eito, as mais das vezes atingindo o vazio até que, por fim, o crânio do animal estalou num baque seco. Vi-me cercado pelos rosnidos ameaçadores da alcateia mas, para minha alegria, ouvi o inconfundível e trovejante berro do Vesgo, que se apressava em meu auxílio…”
V.A.D. em Otztal
Imagem: Lobo (www.simplesurvival.net/wolf.jpg)
De
Fisga a 6 de Dezembro de 2007 às 14:04
Em situações como esta , não há homens fortes, há apenas homens que se vêem na necessidade de agir de imediato e por instinto, não há tempo para fazer projectos que é como quem diz para pensar. Parabéns gostei. Um abraço.
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:05
Há casos em que se reage, simplesmente. É o instinto da sobrevivência em acção...
Agradecendo-lhe as cordiais palavras que sempre me dirige, desejo-lhe um excelente fim-de-semana.
Um abraço.
De
A Túlipa a 6 de Dezembro de 2007 às 23:43
interessante a identificação das personagens. pelas suas características, julgo.
'
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:08
A identificação das personagens é, de facto, feita pelas suas características mais marcantes. No próximo post, perceber-se-á o motivo de chamar Tatuado a uma delas... :-)
Desejo-te uma excelente noite e um óptimo fim-de-semana!
Um beijo... :-)
De
Fisga a 7 de Dezembro de 2007 às 11:24
Só com muita coragem e determinação é possível enfrentar um bicho desta ferocidade. Eu sei do que falo, cheguei a vê-los a assaltarem-me o rebanho. Um bom afugentador dos lobos é o lume, um simples riscar de uns fósforos. é suficiente para os dissuadir a desistir dos seus intentos, também tem a ver com a fome que o bicho tenha. Gostei do texto e a foto está um espectáculo. Parabéns.
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:19
A necessidade é a mãe da coragem, e ao personagem nada restava a não ser uma reacção feroz, que lhe possibilitasse escapar com vida ao ataque do animal. Não tendo tido, felizmente, a oportunidade de ver um ataque de uma alcateia, vi-me na contingência de o imaginar e fico satisfeito por ter escrito algo que parece ser plausível.
Obrigado!
Votos de uma excelente noite!
Um abraço.
De
Fisga a 10 de Dezembro de 2007 às 21:02
Só lhe quero dizer que se já tivesse vivido esta Sena não a poderia descrever muito melhor. Eu já vi. Um abraço. fisga.
De
V.A.D. a 11 de Dezembro de 2007 às 14:19
Fico contente por saber que fui capaz de fazer uma descrição razoável de algo que nunca presenciei.
Obrigado, amigo. Que a sua tarde possa ser agradável!
Um abraço.
De ______ a 7 de Dezembro de 2007 às 13:46
Que imagem assustadora. Excelente escrita , mas eu é que não queria estar lá...
Bom fim de semana :)
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:25
Agradeço-te as amáveis palavras, amiga. Um encontro destes seria, de facto, algo de terrivelmente assustador, mas creio que o instinto de sobrevivência operaria milagres...
Também eu te desejo um óptimo fim-de-semana e uma excelente noite!
Um beijo... :-)
De
Cöllyßry a 7 de Dezembro de 2007 às 17:26
Olá Vad...o senario é bom, a neve...mas a noite........que noite...
Bjca doce,e bom fim de semana
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:29
Olá, amiga :-)
Uma noite assim, gélida e pejada de lobos ferozes, teria sido terrível...
Também eu te desejo um excelente fim-de-semana e uma óptima noite!
Um beijo... :-)
De
Emanuela a 7 de Dezembro de 2007 às 20:38
Consegui quase sentir o frio daquela noite... E a sensação do ataque do lobo? Bah! Terrível. Não gosto nem de pensar o que deve ter sido a vida das pessoas naqueles tempos... Mas pelo menos alguma bebida forte que os aquecesse... ah, isto deviam ter não é mesmo?
A história está mesmo muito boa!
Beijos!
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 22:38
A vida devia ser duríssima, numa época em que o Homem ainda não exercia praticamente nenhuma influência sobre uma Natureza que nem sempre era suave...
Nas minhas pesquisas sobre a época, apenas encontrei menção à cerveja. As bebidas destiladas começaram a ser produzidas apenas no século X; julgo, portanto, que o frio não podia ser amenizado senão através das roupas e de uma fogueira...
Agradecendo as tuas gentis palavras, desej-te uma óptima noite e um excelente fim-de-semana!
Um beijo... :-)
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