“Aproximávamo-nos do final da íngreme subida e as sombras agigantavam-se, à medida que o luzeiro descia para o horizonte, o arco da luz fechando-se sobre a terra, predizendo a negrura gélida da noite. A desolação branca era rasgada, a espaços, por penhascos enegrecidos e ameaçadores, o assobio do vento glacial a roçar na pedra contrastando com o mutismo generalizado que se havia assenhoreado da comitiva. Havíamos deixado para trás a floresta de coníferas, depois de esquartejarmos o imolado, sem que houvessem sido trocadas quaisquer palavras entre o Tatuado e o Cura, este último parecendo cada vez mais absorto em congeminações. Por fim, diante de nós, abriam-se as fauces da terra, a boca negra da Deusa, escancarada, aguardando as oferendas. Prostrámo-nos, numa genuflexão submissa, enquanto as palavras rituais eram cantadas numa cadência arrebatadora:
Oh, Deusa-Mãe sagrada
Lutámos contra neve e vento
Aqui te trazemos alimento
Que sorria, a tua face irada
No fim desta dura jornada
Rogamos-te pelo sustento
Submetemo-nos à tua vontade
Rastejando perante a grandeza
Faz do nosso fardo, leveza
Suplicamos a tua bondade
Dá-nos um gesto de caridade
Alivia-nos a dor e a tristeza
Faz do frio, temperança
Faz da neve, água pura
Suaviza esta vida dura
Faz da tempestade, bonança
Faz da desilusão, esperança
Dá-nos para os males, a cura
Por alguns instantes, senti-me em comunhão plena com a Natureza, o fervor da reza amenizando a severidade de um mundo repleto de misteriosos e intrincados caprichos. Mas, no fundo, havia já em mim a convicção de que é ao Homem que compete a escolha do caminho…”
V.A.D. em Otztal
De
Fisga a 5 de Dezembro de 2007 às 17:17
GOSTEI MUITO DO TEXTO ESTÁ PERFEITAMENTE DENTRO DA URDIDURA A QUE JÁ ME HABITUOU, MAS ADOREI O POEMA, ACIMA DE TUDO. EU COSTUMO DIZER QUE UM POEMA COM CONTEÚDO É UM TEXTO ESCRITO AO CUBO. PARABÉNS E UM BOM DIA. O FISGA
De
V.A.D. a 6 de Dezembro de 2007 às 02:38
É verdade, amigo. Às vezes dá-me para a poesia, eheheheh. A estória está a aproximar-se do fim, mas já sentia vontade de fazer umas rimas. Achei que estas se enquadrariam no texto.
Agradecendo-lhe a gentileza expressa por palavras, desejo-lhe uma excelente noite.
Um abraço.
De
Fisga a 10 de Dezembro de 2007 às 19:45
Amigo v.a.d. eu gostava de ter traquejo para sempre que a disposição o permitisse falar em verso e nunca em prosa, mas depois de muitos ensaios concluí que isso não se aprende nasce. Um abraço. Fisga
De
V.A.D. a 15 de Dezembro de 2007 às 21:42
Acho que, conforme diz, é preciso que a capacidade de versejar tenha nascido connosco. No que me diz respeito, descobri-a há muito pouco tempo, mas tenho a noção de que não sou nenhum poeta.
Votos de uma óptima noite!
Um abraço.
De
Fisga a 16 de Dezembro de 2007 às 18:21
Não seja modesto a esse ponto, eu estou farto de fazer testes e não consigo passar, você só com um simples ensaio como pode saber? Há que ser teimoso.
mas atenção. Sem prejuízo da ficção. um abraço e boa semana.
De
Pérola a 5 de Dezembro de 2007 às 22:20
"senti-me em comunhão plena com a Natureza"
Aí está uma sensação que adoro.
Um grande beijinho!
De
V.A.D. a 6 de Dezembro de 2007 às 02:40
Aquela sensação de profundo êxtase que às vezes nos invade, quando contemplamos as pequenas belezas do mundo, é profundamente maravilhosa.
Espero que a consigas sentir muitas vezes.
Desejo-te uma excelente noite!
Um beijo... :-)
De
Emanuela a 6 de Dezembro de 2007 às 01:16
O texto todo leva-nos a uma viagem difícil, mas completamente sentida. Há nele uma força maior ainda do que te é peculiar. E a oração...realmente coloca-nos em comunhão com a natureza e o sagrado. Percebe-se claramente a fé que tens na vida!
Um beijo!
De
V.A.D. a 6 de Dezembro de 2007 às 02:45
É bem verdade, amiga: embora seja completamente descrente em relação à existência daquilo a que se convencionou chamar "Deus", não deixo de me maravilhar profundamente com a Natureza, umas vezes agreste, outras suave e aveludada, mas sempre bela e grandiosa. E sim; creio na vida!
Amiga, agradecendo as tuas palavras e a tua gentileza, desejo-te uma noite magnífica!
Um beijo... :-)
De
A Túlipa a 6 de Dezembro de 2007 às 23:32
Continuo e creio que continuarei sem saber de onde nascem as tuas histórias.
'
De
V.A.D. a 7 de Dezembro de 2007 às 20:28
As minhas histórias baseiam-se muitas vezes em factos verídicos ou em experiências que eu próprio vivi. Pego nessas coisas e construo, à volta delas, um enredo ficcionado... :-)
Desejo-te uma óptima noite e um fim-de-semana muito, muito agradável!
Um beijo... :-)
Comentar post