Quinta-feira, 9 de Agosto de 2007

Fuga (III)

Trinta e três anos se passaram. O desaparecimento misterioso do ditador fora motivo de regozijo moderado. Há sempre quem se sinta mais ameaçado pela esperança de liberdade do que pela monótona dureza de uma vida agrilhoada. Nas profundezas da mina, a máquina zumbia, alheia a convulsões sociais e a reajustes de poder e, no seu interior, aquela espécie de coma sem sonhos do déspota seguia o seu curso, indiferente à feroz guerra civil que havia eclodido. Múltiplas facções lutavam pelo domínio; usavam de todos os meios para o conseguir e, numa cegueira raivosa, não hesitavam em empregar mísseis nucleares. Um deles, vítima de súbita avaria, despenhou-se e explodiu num local ermo. Toneladas de rocha vaporizada precipitaram-se sobre o olho que contava os dias. Para o computador, o tempo havia parado…

Montanhas nasceram e desfizeram-se em pó, oceanos engoliram continentes inteiros, civilizações ergueram-se e declinaram, incontáveis gerações arrastaram-se penosamente sobre este nosso velho planeta. A própria humanidade tornou-se irreconhecível, à medida que os éons se escoavam. O coração do Culpatu pulsara apenas alguns milhares de vezes…

Imagem: Oceano (www.nhptv.org/natureworks/graphics/ocean.jpg)

música: Electronic Performers (Air)

publicado por V.A.D. às 03:02
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10 comentários:
De gata a 9 de Agosto de 2007 às 08:00
Thanks for bringing me back...

Gosto deste final (será que o é?), gosto do 33, do nome Culpatu, agora por mais algumas razões. Escreves bem, escreves pouco...apetece mais...sempre.

Um beijo, não, um GRANDE beijo de bom dia e muitas inspirações...



De V.A.D. a 11 de Agosto de 2007 às 01:36
Agradeço as tuas gentis palavras e quero referir também que o teu espaço é um local muito aprazível.
O final… O final ainda não chegou, mas este poderia de facto sê-lo… :-)

Um beijo… :-)


De dhyana a 9 de Agosto de 2007 às 15:24
Isto pode ser ficção, mas é arrepiante!
beijos...


De V.A.D. a 11 de Agosto de 2007 às 01:35
Fico feliz por saber que consigo dar um toque de emoção àquilo que escrevo. Obrigado, amiga!
Votos de um excelente fim-de-semana.

Um beijo…:-)


De baixinho a 9 de Agosto de 2007 às 19:35
Conheço este conto... ou melhor conheço dois contos de um mesmo autor que possuem este início e com finais relativamente diferentes.. acho que em vez de andar a procurar no meio das montanhas de livros de SF que tenho acho que vou esperar e ler aqui. É mais gostoso :)


De V.A.D. a 11 de Agosto de 2007 às 02:15
Ah...! Mas deve procurar! E, se encontrar, peço-lhe por favor que me dê os elementos necessários à aquisição da obra. Queria tanto reler a história original, mas fartei-me de procurar o velho livro onde o conto está inserido e não o encontrei... A história marcou-me tanto que a quis recriar. Acho que fui fiel à estrutura da primeira parte da história; contudo, tentei inserir no meu texto alguns elementos de cosmologia, nomeadamente aqueles que se referem à "morte" de estrelas como o nosso Sol.
Obrigado pela simpatia. Bom fim-de-semana!

Um abraço.


De baixinho a 12 de Agosto de 2007 às 04:34
Um dos contos está no livro "Expedição à Terra" do Arthur C. Clarke, nº 143 da colecção de livros de bolso de Ficção Científica da Europa-América. Não sei precisar o nome do conto porque não encontro o livro... várias mudanças de casa e pode-se ter perdido pelo caminho :(
Se não me engano este conto era a versão alargada de outro conto mais antigo dele. Li esse conto noutro livro do Arthur C. Clarke que já não me recordo qual. Penso que teria um final diferente e era substancialmente mais curto.


De V.A.D. a 13 de Agosto de 2007 às 02:00
Obrigado. A sua ajuda é preciosa e tentarei adquirir a obra que referiu.
Boa semana!
Um abraço.


De Emanuela a 10 de Agosto de 2007 às 01:16
"Há sempre quem se sinta mais ameaçado pela esperança de liberdade do que pela monótona dureza de uma vida agrilhoada."
Nâo pude deixar de comentar este pensamento tão forte, tão real.Nos habituamos com os grilhões de tal forma, que sempre ficamos temerosos de deixá-los para trás.
A história está muito interessante e poderia ainda seguir mais alguns dias...
Um beijinho!


De V.A.D. a 11 de Agosto de 2007 às 01:34
Pois é, minha amiga… A humanidade em geral, e o indivíduo em particular, demonstram muitas vezes uma enorme aversão em relação à mudança. Felizmente que nem sempre é assim, senão ter-se-ia dado uma estagnação de tal forma pronunciada que talvez ainda estivéssemos a viver em cavernas. O Homem precisa de se libertar de certos preconceitos para poder evoluir…

Um beijo… :-)



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