São horizontes plenos de promessas, são rios de deleitosos sonhos, deslumbrantes visões experimentadas de sensualidades inconcebíveis, são telas pintadas de sentimentos indescritíveis. Horas silenciosamente pejadas de dois rostos em êxtase, risonhos, exprimindo a voracidade incontida de quem ama sem pressas… E uma só entidade emerge no cadinho da paixão: corpos e mentes perpetuamente ligados, num simples e maravilhoso momento. Inunda-me o deslumbramento, os dias afiguram-se-me ilimitados, os anos cabem na palma da mão…E nesses breves instantes, conquisto a eternidade…!
“Duas e vinte e nove. Todas as apreensões se esmaecem num ápice, a limpidez dos sentidos irrompendo da própria alvorada da vida, a profusão das emoções elevando-o além dos limites plausíveis. A existência não é mais que um fugaz clarão por entre as trevas da inacabável perpetuidade e, todavia, os factos inequívocos podem ser contraditos pela subjectividade agarrada num emaranhado caoticamente sublime e estranhamente melífero, os desalinhos agindo como uma catártica negação de rotinas bafientas, a florescência de algo improvável manifestando-se avassaladoramente num esplendor épico, o engrandecimento constante e contínuo atordoando-o, a infinitude apresentando-se-lhe como o exclusivo e inexistente término. Deixa-se absorver pelo fascínio, quer imortalizá-lo em grandíloquas demonstrações de profundos desejos, quer efectivá-lo em feitos repletos de transbordantes sentimentos… E sente-se insuflado pela alegria de voltar a ser inteiro, os desertos pedregosos e gelados parecendo-lhe agora tão remotos, como que dissolvidos na eternidade de alguns breves mas perfeitos segundos…”
“Duas e doze. Os minutos arrastam-se, monótonos, tão desconformes dos arco-íris dançantes pintados em palavras infindáveis, os tons monocromáticos divergindo da coloração esfusiante dos momentos deslumbrantes daquelas horas esquivas, passadas entre um café e o fascínio sincronizado de pensamentos convergentes. Parece até que a própria música perdeu o seu encantamento num ruidoso monólogo, o sonho exasperado enchendo-se dos odores escuros da saudade, num murmúrio de queixoso desalento. Força-se a pensar no céu, deixa-se perder por entre as estrelas, identifica nelas o prometimento de dias vindouros, pejados de vibrantes possibilidades, os anseios afluindo num único e perfeito ponto espaço-temporal, imortalizado em sucessivas recorrências… E emerge-lhe um sorriso no rosto, aclarando-se-lhe o semblante no brilho do olhar, o infinito assomando-se-lhe tão exequível quanto a concepção lhe permite. Cerra as pálpebras e inala profundamente o ar perfumado pelo incenso que arde em tonalidades quentes, um arrepio agradável percorrendo-lhe o corpo, a mente inventando de novo a conciliação…”
“Uma e quarenta e seis. Senta-se em frente ao monitor, a música previamente seleccionada tocando baixinho, os sons calmantes circundando-o em ondas tão envolventes quanto o rumor das águas do mar oceano contemplado ainda há poucas horas num letargo próprio de uma tarde de estio. Sofria ainda, fustigado pelos anos-luz de espaço, flagelado pelas memórias, perseguido por uma existência pretérita que jamais poderia revelar, mas deixara os grandes tragos da satisfação amarga facultada pelas bebidas ardentes e devastadoras de garganta e estômago, a fisiologia aparentemente idêntica divergindo da dos nativos na tolerância à química da embriaguês, para passar a buscar refúgio nos subtis agrados proporcionados por uma natureza tão igual e dissemelhante, os pormenores dissentindo sem que contudo desobedecessem à lei universal expressa numa linguagem comum. E descobrira a melíflua aquietação trazida pela maresia num bafejo ancestral de vida, entendera por fim a razão de ser, aceitara perseverar numa perscrutação inacabável, a noite do desprazer iluminando-se gradativamente num engrandecimento da velha anima…”