“A fantástica e árida beleza da paisagem parecia entranhar-se por todos os meus poros, o pó de incontáveis milénios voluteando no ar rarefeito, o ténue mas veloz vento soprando finos grãos de areia de encontro à viseira protectora num constante e surdo matraquear. No decurso daquela hora, um silêncio reverente havia-se instalado, os companheiros de jornada soltando a espaços contidas exclamações de espanto, uma estranha impressão de acanhamento apossando-se de todos perante a amplitude daquele oceano seco, cinquenta milhões de anos separando-nos da imensidão líquida do Mare Erythraeum. Ao longe, divisavam-se as estruturas dos nossos propósitos, a geologia criando ilusões ou a artificialidade esculpindo figuras quiméricas e desafiadoras da imaginação. À medida que tomavam forma, a excitação aumentava, corpos agitados e braços estendidos indiciando o avistamento da pirâmide de DiPietro e Molenaar numa definitiva explosão de vozes estupefactamente deslumbradas. Mais para a direita, ainda oculta atrás de uma colina sem significado, a Face aguardava-nos, três quilómetros de comprimento e metade de largura prestes a serem minuciosamente escrutinados. Induzido por uma ânsia desmedida, fixei os olhos no mapa projectado no pára-brisas e pisei a fundo, o acelerador…”
V.A.D. em Cidónia
Imagem: Cidónia (www.rumormillnews.com/cgi-bin/forum.cgi?noframes;read=117875)
“Despertei muito antes da alvorada, a excitação e os sonhos negando-me um sono quedo, a expectativa do que o novo dia iria trazer impedindo-me de permanecer deitado no almadraque de uma alvura imaculada. Levantei-me cautelosamente e, sem ruído, dirigi-me à zona reservada à higiene pessoal, as necessidades fisiológicas sendo satisfeitas, o duche de ultra-sons limpando a pele e estimulando os sentidos. A cúpula habitacional, erguida automaticamente no dia anterior, sentia-se povoada de um silêncio irreal, atenuado somente pelo zumbido da maquinaria de suporte de vida, a semi-obscuridade reinando num sólio de sombras imóveis e fantasmagóricas. Vesti-me sem custo, a gravidade duas vezes e meia menor dissimulando o peso da complexa indumentária e, olhando para o cronógrafo de pulso, deliberei que era chegada a hora de dar início à segunda fase da missão. A um toque as luzes acenderam-se, a súbita claridade e o magnífico som de Vangelis arrancando ao repouso os quatro companheiros, as rotinas matinais sendo cumpridas até que, por fim, o veículo de exploração, especialmente concebido para o solo marciano, iniciou a sua marcha rumo ao desconhecido, o sol distante erguendo-se radioso sobre o horizonte...”
V.A.D. em Cidónia
Vídeo: Cidónia (www.youtube.com/watch?v=OIJOt0URF0s)
“A noite estendia-se pela gélida inospitalidade de um planeta pleno de mistérios e sustentáculo de sonhos, a temperatura descendo vertiginosamente revelando a aspereza de uma clima desmedidamente agreste, o fato E.M.U. sendo a ilha protectora, uma barreira de fibras sintéticas isolando-me de uma morte rápida. A respiração ia-se condensando na translúcida viseira de plexiglass, enquanto as memórias desfilavam pelos estreitos corredores do pensamento, a voz do velho mestre ecoando forte nos vales da anamnesia.
- Como deves calcular, tenho seguido discretamente a tua carreira e sei que ambicionas algo de extraordinário, mas vês-te confinado a um laboratório e, embora reconheça que o teu trabalho seja interessante, não se pode comparar àquilo que se perspectiva. Vi-me envolvido, através de um convite, num projecto de uma agência espacial que pretende levar a Marte uma equipa, a fim de deslindar um enigma que se tem vindo a adensar desde 1976.
Naquele instante, compreendi a natureza da missão, o objectivo apresentando-se muito mais amplo que a perigosa viagem até ao planeta vermelho. Tratava-se de Cidónia e da face marciana. Estava em causa a busca de provas irrefutáveis de que não estamos sós e, instintivamente, recordei-me de todas aquelas incríveis aventuras, contadas nos inúmeros livrinhos de bolso que havia lido…”
V.A.D. em Cidónia
Imagem: A Face (www.nirgal.net/graphics/face.jpg)
“Ergui os olhos para o céu; esparsas nuvens de anidrido carbónico gelado, reflectindo os derradeiros raios solares, esfarrapavam-se, suavemente alaranjadas, de encontro à escuridão que se ia apossando do firmamento, a ténue luminosidade de Deimos contrastando com a exuberância do brilho de Fobos em célere deslocação, a velocidade angular da sua translação excedendo largamente a da rotação do planeta. Um calafrio atravessou o meu corpo, os meus pensamentos dissociando-se entre aquele instante inefável e a distante génese da aventura, muitos anos e milhões de quilómetros separando-me das palavras profundamente gravadas na memória.
- Professor, antes de mais nada, devo dizer-lhe que é um prazer revê-lo, ao fim deste tempo todo. Mas, como sabia que me ia encontrar aqui? Além disso, só um motivo muito forte me faria faltar ao trabalho. Tenho entre mãos uma investigação que preciso de adiantar.
Ele permaneceu calado por uns segundos, observando-me, até que me convidou a sentar.
- Se bem te conheço, não há nada que te possa interessar mais do que aquilo que tenho para te dizer.
Baixou a voz, e um ar sério apossou-se repentinamente do seu semblante, as palavras que proferia despertando em mim uma curiosidade cada vez maior…”
V.A.D. em Cidónia
Imagem: Fobos e Deimos (http://solarsystem.nasa.gov/multimedia/gallery/phobos_deimos.gif)
“Atrás de mim, as areias estendiam-se até ao horizonte, avermelhadas e sem vida, o Sol ainda visível acima das colinas lançando os seus raios enfraquecidos sobre aquele mundo moribundo, a estranheza da tingidura do céu confundindo a mente pela dissemelhança de tonalidades. Deixei-me invadir por um êxtase cataléptico, era-me ainda difícil apreender a verdadeira significação daquela experiência, o sonho de pisar um solo alienígena transformando-se numa realidade singularmente lograda. Permiti-me recordar aquela manhã fria e escura de Inverno, o encontro com o meu antigo professor não podendo ser mais imprevisto, a pastelaria onde o pequeno-almoço era habitualmente tomado cheio de gente apressada, os horários impondo a agitação frenética de um café engolido sem ser saboreado. Embora alguns anos se tivessem escoado, reconheci-lhe de imediato a face já com algumas rugas e os olhos negros como carvão, atrás das espessas lentes dos velhos óculos de aros de tartaruga. Assim que me viu, levantou-se e cumprimentou-me com um efusivo aperto de mão, a expressão risonha denotando franco contentamento.
- Sabia que te ia encontrar aqui – disse-me, continuando a sorrir – Hoje não vais trabalhar; precisamos muito de conversar e tenho uma proposta a fazer-te, que certamente não irás recusar.”
V.A.D. em Cidónia
Imagem: Céu Marciano (http://lasp.colorado.edu/~bagenal/3720/CLASS6/MarsSky.jpg)
“A mente cedeu perante a magnitude ininteligível, a complexidão dos cálculos transformando-se num confuso turbilhão de símbolos e algarismos, a linguagem matemática assumindo uma fantasmagórica e indistinta forma, o raciocínio demitindo-se da árdua tarefa de subjugar a inacreditável lógica das formulações. O silêncio do cansaço invadia-o lentamente, as pálpebras negando-lhe a vontade de permanecer acordado, o corpo assumindo a derrota infligida por horas esquecidas de concentração absoluta. Debateu-se por mais um pedaço de vigília, amaldiçoou-se por não ser capaz de continuar, a verdade insinuando-se ali tão perto… Deitou a cabeça sobre os braços, almofadas improvisadas sobre o incomum leito em que a sua secretária se havia transformado naqueles últimos meses de esfuziante promessa, a derradeira revolução da física assomando-se-lhe no espírito como a realização de um anseio velho de séculos. De imediato, o céu escuro e pesado do sono abateu-se sobre ele, esmagando os sonhos que teimavam em despontar, pequenas mas espaventosas faíscas enchendo-lhe a cabeça de um ruído branco que o aconchegava numa melodia de embalar. A noite esvaziou-se de horas, o tempo fugiu-lhe apressado e a alvorada, anunciando-se radiosa, trouxe-lhe um despertar bocejante…”
V.A.D. em Símbolos
Vídeo: A Beleza da Matemática (www.youtube.com/watch?v=sb5xy86ooqA)
A felicidade é um estado de alma, não carece de bens materiais, não requer formalidades. Sente-se no clamor das cidades, nos pormenores infinitesimais, no doce silêncio da calma. As cores de um pôr-do-sol estival, a visão de um raro eclipse lunar, o fulgor de uma estrela brilhante… É alegria contagiante, um fugaz momento de encantar, uma sensação de plenitude total. É emoção de simples abraço, paladar de exótica iguaria, extravagante essência de violetas. É picante de tabasco e malaguetas, vibrante orgasmo que eleva e extasia, é desenho de fino traço…
E agora vou à rua, ver a lua que se eclipsa!
Imagem: Eclipse Lunar (www.nomad4ever.com/wp-content/uploads/2007/08/lunar_eclipse_as_seen_from_earth.jpg )
“Nasci no instante que não pertence ao tempo, o passado e o futuro não fazendo sentido, o presente negando a sua própria validade pela eternidade inacessível. Surgi de um ponto infinitesimal, pleno de espaço ilimitado e de densidade infinita, a difícil concepção de tal ovo cósmico exigindo abstracção comparável a genuíno devaneio. Eclodi por mim mesmo, desmentindo a causalidade, afirmando a veracidade da génese espontânea nas dimensões dificilmente engendradas pela maior das inteligências. Brotei do nada, iludindo o caos original, arquitectando pulcras e organizadas estruturas, a lógica parecendo autêntica, o seu efectivo sentido escapando-se por entre os dedos da mão que cerram com desmedida força. Sou vazio que não é sinónimo de nada, a matéria definindo-se pela própria ausência, o estado de mínima energia desnudando a latência das coisas, numa oscilante hibernação que desafia o menos comum dos sensos. Sou campo quântico, essência primordial, as partículas imaginadas dançando ao ritmo pulsante de uma incessante flutuação do vácuo. Sou a extravagante virtude dominativa do ser sobre a sua antítese…”
V.A.D. em Universus
Vídeo: Across The Universe (The Beatles) (www.youtube.com/watch?v=lsuSCwTdxOo)
Sólidos poliédricos tangíveis, ou meros hologramas inventados, cheios de denso mistério e de absoluta certeza, massa descomunal e assombrosa leveza, somos materiais inacabados, mentes inquietas e raciocínios incríveis. Somos seres espantosos, capazes de maravilhosas abstracções, complexos e fabulosos, cheios de sonhos e ilusões. Dos medos libertados, viajamos pelos céus nebulosos, construindo mundos imaginados. Resolvemos questões, quebramos barreiras, cruzamos fronteiras, arranjamos soluções. Fugindo aos limites da natureza, desenhamos imagens magníficas, visões dolorosas e terríficas ou cheias de cor e beleza. Somos emoção desregrada, inteligência e instinto, matemática pura ou bebedeira de absinto, introspecção concentrada. Somos deuses e demónios, sinapses e axónios, fibra e carne ensanguentada. Somos carrascos e juízes, réus, suspeitos e arguidos, umas vezes mortalmente feridos, outras… Imensamente felizes!
Vídeo: In The End (Linkin Park) (www.youtube.com/watch?v=aZp2jAdBu1o)
Aquilo a que comummente se chama de acaso não passa de uma medida da ignorância, a disfarçada incapacidade de apreensão de todos os pormenores obrigando ao uso de um termo inadequado, a inabilidade de descortinar todas as cenas da peça levando à inadmissível exclusão do princípio de causalidade, a impossibilidade de reter cada um dos incontáveis eventos tornando indefinido cada um dos futuros possíveis, a mente sendo incapaz de abranger as infinitas variáveis de um Universo em permanente mutação. Algures, no mundo que partilhamos com Edward Lorenz, uma borboleta abandona uma flor, os subtis vórtices sob as suas frágeis asas gerando imperceptíveis correntes de ar, um pequeníssimo distúrbio da condição inicial trazendo consequências insólitas a milhares de quilómetros e duas semanas de espaço-tempo, o sistema físico onde vivemos apresentando-se-nos definitivamente como não-linear. Existem causas para tudo mas, quando multiplicadas numa figuração ainda que apenas aproximada à realidade, obtém-se uma caótica complexidade da qual será difícil extrair sentido aparente… Será mesmo assim? O caos pode ser assimilado e compreendido, a matemática revelando-se a derradeira ferramenta do conhecimento, a ciência da desordem estudando o comportamento aleatório, modelando-o e afirmando que, embora ocorram anomalias intrincadas, nem a casualidade escapa cabalmente às leis da Natureza…
Vídeo: Atractores Estranhos: Ordem no Caos (www.youtube.com/watch?v=SGWgCffiW4c)
Música: Mira Verra Qui a Virtus – Vision Leads to Virtue (Whisper Of The Garden)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. O horizonte de eventos e ...
. Blogs
. Abrupto
. Feelings
. Emanuela
. Sibila
. Reflexão
. TNT
. Lazy Cat
. Catinu
. Marisol
. A Túlipa
. Trapézio
. Pérola
. B612
. Emanuela
. Tibéu
. Links
. NASA