Suspendo o tempo nos fios da vontade, seguro os ponteiros do relógio que imagino, recuso o escoar dos segundos, não o quero para mim. Crio nas minhas mãos a eternidade, pedaço de vidro cristalino, incontáveis e estranhos mundos, conjectura de espaço sem fim. Brinco no centro galáctico, inundo-me de emoção e pasmo, perco-me num labirinto inventado, entre estrelas e quasares. Nada no cosmos é estático, encho-me de exaltado entusiasmo, não há segredo que não seja revelado, todos os mistérios se tornam vulgares. Conheço a verdade e o seu inverso; tenho a vida inteira e mais um pouco para aprender o que há a saber. A mente funde-se com o Universo… (Eu sei, às vezes pareço louco, mas não há nada a fazer…!)
Imagem: Universo! (www.faemalia.net/USPictures/Backgrounds/universe.jpg)
Desvaneço-me nas etéreas luminâncias do arco-celeste, sou pingo de orvalho matinal sobre os ramos da árvore despida, desejo crescente, hino à vida, brisa cálida ou vento agreste. Sou sombra desenhada no solo duro, luz irradiante e treva profunda, chuva intensa que tudo inunda, odor corrupto ou ar fresco e puro. Sou embriaguez e sobriedade, sinto a vida a pulsar nas artérias, conjunto de alegrias e misérias, frio calculismo e natural espontaneidade. Sou certeza e contradição, verdade absoluta ou devaneio insano. Sou simplesmente humano, feito de veemente emotividade e de metódica razão…
Imagem: Orvalho (www.moocaonline.com.br/plano_de_fundo/novas/orvalho.jpg)
Quando os fulgores coruscantes correm pelos céus plúmbeos da melancolia, traçando tormentosos circuitos por entre a frieza das estrelas resguardadas, fecho os olhos, isolo-me da intempérie e o nome dela relampeja sob as minhas pálpebras num zumbido indistinto e suave, um enxame de abelhas passeando pelos longos corredores da memória, a melíflua recordação de verões perdidos e o doce calafrio do sal atlântico trazendo à minha pele o arrepio deleitoso de um outro tempo. Nessas ocasiões, volto a sentir o sorriso que aprendi dela, impresso nos meus lábios com a vermelhidão das cerejas surripiadas das árvores do contentamento, símile da prazenteira inocência agora esmaecida pela veloz passagem das carruagens na férrea linha temporal, num tiquetaque contínuo e irrefreável. E elevo-me na minha própria brisa, espalhando cálidos ventos que resfriam os meus cabelos já cãs e afastam os cúmulos-nimbos para as vastidões de um oblívio provisório de mim mesmo, até que a quietação retorne na anelante respiração de jogos revividos, a Infância decididamente nunca perdida insinuando-se na minha mente…
Imagem: Infância Perdida (Lewis Blehrman) (www.lewisblehrman.com/Lost%20Childhood%20copy.jpg)
Ele tinha medo das estrelas, sempre tivera medo delas. Eram a representação visual de tudo quanto era desconhecido e impossível de alcançar, a perturbante diegese da sua própria insignificância e a velada asseveração de que a humanidade teria ainda um longo caminho a percorrer até ser capaz de domar as distâncias incomensuráveis que a separavam de outros sistemas planetários onde talvez enxameassem descoincidentes formas de vida, quem sabe o silício sendo o elemento aglutinador da biopoese ou o carbono engendrando organismos donos de eminentes inteligências. E, contudo, olhava o céu nocturno com a desmesurada ânsia de se deixar ir na nave do pensamento, até a um daqueles bicos de alfinete, ardente e desinteressado de tudo, as reacções termonucleares inflexivelmente alheias a conjecturas de um simples adolescente criando, ao seu redor mas sobretudo no seu cerne, um Universo de invenção, alimentado pelas ilusões tão admiravelmente construídas nos livros de ficção científica em que se costumava perder, as horas parecendo minutos, o tempo chegando a parar no isolamento agorafóbico das bastas letras que o avassalavam. Nunca abdicou de se maravilhar com os enigmas de um Cosmos prolífico e, em muitos momentos claustrofóbicos, ainda se deixa distrair pela miríade de centelhas que povoam o firmamento…
Imagem: Estrelas (www.le.ac.uk/ph/faulkes/web/images/stars.jpg)
"Em sonos inquietos, na escuridão nocturna do quarto, falou em voz alta por diversas vezes, o delírio febril manifestando-se em palavras desconexas, os suores febricitantes encharcando-lhe o cabelo, o coração batendo violenta e desconformemente num surdo matraquear de aflição, o centro de controlo de temperatura do hipotálamo reagindo aos agentes pirógenos segregados pelas células numa resposta à agressão de minúsculos atacantes. A sua mente clamava por algo ou por alguém, estendendo-se, informe e sofrida, através de abismos hadeanos, os bafejos ardentes da pirexia calcinando a fina crosta da congruência num frenesi absurdo e desarmonizado, a agitação e os tremores fatigando até que a quietude estática do esgotamento se sobrepôs num definitivo sossego. A manhã chegou cedo, o sol refulgente entrando pela persiana entreaberta, iluminava metade da divisão, a suavidade morna da luz tirando-lhe a vontade de sair daquele estado letárgico. Por diversas vezes deixou-se escorregar para a tepidez do sono, até a luminosidade exercer sobre si a obrigatória instância do despertar. Entreabriu os olhos e deixou-se ficar imóvel por um momento, contemplando a alvura do tecto e a faixa de claridade que invadia a sua vida…"
V.A.D. em Febre
“O tempo não tem significância, nem tão-pouco o espaço, a não ser quando para um ou para ambos acontece a apreciação do pensamento. E esse prossegue continuadamente, conquanto a vigília aparte a mente dos oblívios profundos de um sono sem sonhos, jogos de luz e fulgurantes sons arquitectando o entendimento, o sentir convertido em imagem, a diáfana essência da verdade sendo tocada ao de leve…”
V.A.D. em Algures
Vídeo: Mind Games (John Lennon) (http://www.youtube.com/watch?v=8dHUfy_YBps)
A Ki havia lançado um repto, que consistia em escolher uma das canções preferidas e falar sobre ela, seja em poesia ou em prosa ou mesmo numa breve apreciação do que esse tema transmite. Subverti a resposta ao desafio, simplesmente porque me apeteceu, e achei que devia tecer algumas considerações sobre o meu entendimento da música, arte universalmente amada e singularmente poderosa, que continua a representar um fenómeno intrigante. É talvez uma das formas de expressão mais antigas da humanidade e nasceu com a fala de uma característica inata, a propensão para produzir sons em associação com formas visuais específicas. Aquilo que começou como uma mera vocalização de expressões corporais face a perigos, ou como a exteriorização do contentamento através da sonoridade de uma gargalhada, transmutou-se pela sincenesia, a complexidade crescente dos fonemas criando um vocabulário cada vez mais elaborado, a linguagem permitindo a comunicação racional. E à música foi deixada a parte da emoção… É por isso que "mexe" tanto connosco...
A escolha da canção não foi tarefa fácil, mas gosto particularmente da sonoridade dos Dire Staits e o tema Private Investigations deixa-me positivamente arrepiado…
Vídeo: Private Investigations (http://www.youtube.com/watch?v=SGB3KyyTxP0)
It’s a mystery to me
The game commences
For the usual fee
Plus expenses
Confidential information
It’s in a diary
This is my investigation
It’s not a public inquiry
I go checking out the report
Digging up the dirt
You get to meet all sorts
In the line of work
Treachery and treason
Theres always an excuse for it
And when I find the reason
I still cant get used to it
And what have you got, at the end of the day ?
What have you got, to take away ?
A bottle of whisky and a new set of lies
Blinds on the window and a pain behind the eyes
Scarred for life
No compensation
Private investigations
Sobre a planura desértica, um halo de radiância avermelhada afundava-se no negrume frio do céu estrangeiro, poucos graus acima do horizonte longínquo. Curvado sob o peso da carga, um ente antropomórfico caminhava lentamente na penumbra, os pés arrancando torvelinhos de poeira da secura de um chão tão morto quanto o próprio mundo, a sua fantasmagórica sombra esboçando-se sobre o solo pedregoso em contornos esbatidos, desdizendo a quietude da paisagem numa efémera afirmação de vida, as roupas pesadas e puídas toldando-lhe os movimentos e conferindo-lhe uma aparência pouco humana. A intervalos regulares detinha-se, o tronco rodando, a cabeça enviesada perscrutando o trilho já percorrido em jeito de avaliação, o sopesar do esforço numa tentativa de perceber o resultado, a respiração ofegante traduzindo a fadiga de incontáveis dias. Houvera um tempo antes e ele fora dono da existência, nenhum caminho parecendo demasiado penoso, nenhuma energia querendo ser definitivamente exaurida num bafejo vazante de renúncia. Agora, o arrebatamento de outras épocas desaparecera, esmagado pelo inelutável escorrer das décadas, cada passo representando a aproximação do término. Deitou-se, deixando que por fim as trevas desencorajadoras o envolvessem num silêncio gritado em suspiros de resignação, a meditação sobre o que o trouxera à Terra enchendo de débeis pensamentos a mente prostrada. O velho, fechando os olhos lacrimejantes, deixou-se finalmente levar…
Vídeo: Old Man (Neil Young) (http://www.youtube.com/watch?v=Vef03k5i8VI)
Devia ter-me contentado com a permanência num lugar sem nome nem forma, as trevas densas e quentes aconchegando a mente entorpecida, a ausência de ser diluindo o senso e a memória, apenas uma arredada e imponderável sensação, vinda de qualquer parte incógnita, afirmando o existir? Devia ter-me deixado levar pelos difusos rendilhados do pensamento eterizado, a poalha de mim mesmo vogando nas cristas informes de sonhos desconexos, o sopro da eternidade adormentada espalhando ao vento a espuma da razão? Devia ter evitado a estranheza que retorce o espírito, o expressivo pressentimento de um Universo por apreender gerando espanto e curiosidade, a agitação da demanda infindável corroendo e, simultaneamente, acoroçoando? Devia ter-me recusado a ver o céu que explode em azuis fulgurantes e a luz jorrando em caudais energéticos que tudo moldam, a epítome da vida sendo redigida perante os meus olhos? Devia ter-me demorado nesse local resguardado e protector, a voz calada e os ouvidos surdos acobertando-me da volubilidade do mundo, estas mesmas perguntas não podendo ser feitas, as respostas sendo desautorizadas pela falta de sentido? Não! Nasci porque tinha de nascer. Raciocino, sinto e maravilho-me!
Vídeo: Teardrop (Massive Attack & Liz Fraser) (http://www.youtube.com/watch?v=fG8eQBSp9Ao)
Os dias haviam sido terrivelmente extenuantes e o tempo, sumindo-se por entre pressas e ajustes, trazia o fatal esgotamento da vontade, a estafa empanando a mente num peganhento e fosco indumento. È inegável, a relação de causalidade: as noites pouco dormidas aglomeram cansaços que embaraçam a lucidez e incapacitam a imaginação. Naquela data, a tenção de dormir sobrepôs-se à querença de escrever e o sono deslizou silente numa abstracção despida de qualquer actividade, refazendo-me, expedito, a partir dos cacos da fadiga. Acordei novo e enérgico, o duche limpando o refugo da indolência e trazendo a frescura de um despertar imprescindível. Saí para a alvorada matizada de brumas perlíferas; um manto opaco enroupava os vales profundos abaixo, acrescentando irrealidade à paisagem e o rio, encoberto por uma planície de neblina fria e húmida, escondia-se da vista, talvez envergonhado com a lentidão do fluir das águas. O vento ausente recordava o silêncio da madrugada sonolenta, a palidez do sol vencendo timidamente a escura e aconchegante ilusão da noite num suave raiar de cores desmaiadas. Todas as manhãs, as já vividas e aquelas que haveriam de chegar, pareceram convergir naquele instante sublime, a visão de um mundo ainda impoluto apaziguando as indeterminações e oferecendo tranquilidade…
Imagem: Manhã de Nevoeiro (http://kevingong.com/Hiking/Images/1998PriestRock/25Fog001.jpg)
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