“Fez-se silêncio, novamente, o que correspondia à presença de muitos pequenos ruídos sem significado particular, um mutismo envergonhado, pejado de delicadas e esbatidas sonâncias, cuja origem se situava em todo o meu redor. Escondendo-me no isolamento ciosamente guardado daquele quarto, aproximara-me da janela e olhava, através da tosca vidraça, para aquela noite de uma outra era, bebendo a mansidão tranquilizante de uma cidade às escuras, os telhados desalinhados cobertos por uma fina geada, as ruas serpenteando como rios de leite negro derramado. Para além das muralhas, a silhueta das montanhas destacava-se contra um céu inundado pela fantasmagórica radiação da lua cheia, invulgarmente agigantada, presa à abobada celeste pelos invisíveis fios da gravidade. Um pouco mais à direita, transformado pelo luar num grande cadinho de metal em fusão, o oceano estendia-se até onde o horizonte era a fronteira. Respirei fundo e revi mentalmente aquele dia excepcional. A máquina funcionava: podia recuperar para mim todos os passados perdidos…”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Viagem no Tempo (www.geocities.com/stargateprojectcd/mindtrek.jpg)
Nos abismos da noite sem luz
Há um vento que sopra frio
Não evito o estranho arrepio
Ao escutar uma voz que seduz
Divindade etérea ou ser carnal?
Brada de dor, a mente
No corpo, um tremor infernal
Finjo-me destemido e valente
Quero saber quem é, afinal
Em vórtices de ar rarefeito
O vento sorri e dança
Alegre como uma criança
O coração pula no peito
Percebi quem clama assim
É vertigem desesperante
Fabulosa aventura sem fim
Viagem louca e alucinante
É a vida que chama por mim
“Em alguns momentos de insólito destempero, tenho a impressão de, na presença de outros, não existir de todo. Olho à minha volta e congemino que ninguém, absolutamente ninguém, me está a prestar atenção. Os olhares alheados, fixos num infinito de quiméricos e falaciosos horizontes, parecem permear-me como se o meu corpo fosse feito do mais transparente e incolor cristal, deixando-me siderado pela insegurança de não ser. Decidem não me perceber como tangível; interrogo-me sobre a minha irrealizável invisibilidade e estremeço. Cai-se-me a compostura, imagino-me feito de esfumada fantasia, um mero desvario de uma mente desconchavada. Perco-me de mim, arrastado pelo caótico delírio de ter rasgado, amarrotado e deitado fora, o invólucro que é o corpo onde não caibo. E depois, a angústia. A aflição de apanhar do chão os pedaços dispersos pelo vento e reconstruir a arrevesada exterioridade. A urgência de me reunir à roupagem, para que o conteúdo encontre o formato. O receio de que o espírito soçobre, se se ausentar do organismo. A certeza de que só sou se for uno…”
V.A.D. em Algures.
Imagem: Intangível (www.paasonen.com/media/0000000518.jpg)
Foi com um grande orgulho que recebi da In, através do seu blog Ainda Sem Nome, este bonequinho risonho e de cabelos desgrenhados, que é o símbolo do “Prémio Visitante”. Também eu não sei bem quais são as regras, mas gostaria de passá-lo a todos os visitantes deste espaço, onde publico pedaços do meu entendimento, porque a todos devo gratidão. No entanto, não posso deixar de salientar alguns dos nomes que, ao longo de meses, tenho visto assiduamente, assinando comentários, exprimindo opiniões e contribuindo com um incentivo valioso para a continuidade deste lugar:
Agradeço a todos os visitantes, sem excepção, a paciência que têm demonstrado.
“Penosamente, peguei nos pedaços desfeitos da minha congruência e juntei-os com extremo cuidado. A espuma e a lâmina de barbear encarregaram-se de sonegar as provas; a água, negra de sonhos lúcidos, sumiu-se pelo ralo abaixo. Rodopiando, levou consigo parte do meu cepticismo. Nesse dia, quis dormir até à exaustão.
Assisti ao gotejar das águas na clepsidra do tempo, as horas passando por mim como luzes vertiginosas, os anos sucedendo-se bonançosos, percebidos com a cadência própria de quem já viveu metade da vida. Sabia, de forma pertinente, que aquele episódio não passara de uma ilusão, que nada daquilo que sentira e experimentara havia sido real. E, no entanto, vívida e incisiva como um gume afiado, a esquizóide e obsessiva impressão de aquilo tinha sido mais do que uma simples manifestação de uma raridade neurofisiológica, teimava em atormentar-me. Tinha sido oneironauta por uma noite: a hiper-realidade, estranha e enganosa, apossara-se de mim, arrastando-me por lugares horríveis e fazendo-me refém de mim mesmo. Ah…! Nunca mais levei os dedos à nuca!”
V.A.D. em Os Outros.
Imagem: Sonho Lúcido (http://sprott.physics.wisc.edu/fractals/collect/2005/Lucid_Dream.jpg)
“Acordei com o som irritante do velho despertador. Mesmo que viva mais cem anos, nunca me irei habituar àquele ruído esganiçado e intermitente, que me entra pelos ouvidos adentro, qual trombeta em desatino tocada por um músico alienado. Um agonizante cansaço, que me moía os ossos e oprimia as têmporas, não impediu que me levantasse de rompante: sabia ser a única forma de não voltar a cair num sono esvaziado e estupidificante. Ansiava por um duche que me arrancasse, da pele e da mente, a sujidade das lunáticas horas daquela noite cataléptica. Depois de satisfeita uma premente necessidade fisiológica, abri a torneira e, enquanto esperava que a água se fizesse quente, olhei-me no espelho. O choque foi avassaladoramente brutal e indescritível na sequela. A minha face, escanhoada escrupulosamente havia menos de um dia, apresentava-se coberta por uma longa barba cerrada. Os olhos, vermelhos de minúsculos mas incontáveis derrames, denunciavam uma fadiga impossível. Levei os dedos à nuca, e o tacto disse-me que lá estava a cicatriz dos meus medos, ainda por sarar. E o meu juízo, desfazendo-se numa geleia grumosa e peganhenta, desagregou-se do meu ser e escorreu por mim abaixo…”
V.A.D. em Os Outros.
Imagem: A Perda do Juízo (http://baltgames.lv/v2/usergalleries/46135.jpg)
“Não consegui sequer completar o pensamento. Pois que o tempo efectivamente ludibriou-me, esquivando-se desabridamente, deixando-me inane de raciocínios e saciado de sensações. Tudo o que havia já experimentado, dor e êxtase, alegria e pesar, ódio e amor, raiva e tranquilidade, tudo se afunilou numa imensa torrente, barulhenta e embriagante. Toda a luz, toda a cegueira, todas as loucas delícias e todas as infaustas desilusões estavam condensadas naquele infernal instante sintético. A totalidade do que já havia conhecido parecia esfaquear a minha sanidade, a seiva da lucidez esvaindo-se a cada golpe… Parecia-me que balançava entre a vida e a morte, sem perceber a eternidade. Séculos de séculos, vidas depois, tive de novo consciência da minha natureza humana. Reconheci instantaneamente a semi-obscuridade tranquila do meu quarto e aquietei-me com um compassado e ténue som de respiração. Ainda com o coração a bater aceleradamente, virei-me para procurar o aconchego do corpo dela encostado ao meu. Abracei-a e adormeci, enquanto me tentava persuadir de que tudo aquilo não passara de um mero pesadelo. Teria sido apenas isso…?”
V.A.D. em Os Outros.
Imagem: Vórtice (www.robotpegasys.com/alienswfs/abcfiles/vortex.jpg)
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