O mundo não tem descanso, não há imutabilidade alguma na lenta mas contínua movimentação do chão sob os nossos pés. Não há placitude no imo de um corpo vivo e pulsante, alojamento da fornalha nuclear geradora do calor que faz da nossa morada um planeta em contínua evolução, mudando a cada instante das longas eras, transformando a face, a tectónica das placas gerando montanhas soberbas e insondáveis fossas abissais, fendendo, por vezes abrupta e brutalmente, o tegumento deste pequeno e isolado lugar, onde assistimos inquietos ao desfiar da nossa existência. Ilhas nascem e são destruídas, meras cidadelas de lava em praia fustigada pelas vagas da eternidade; chaminés expelem para a atmosfera gases primordiais, a Terra expectorando as próprias entranhas. Derivam continentes inteiros, como se de barquinhos em miniatura se tratassem; as correntes magmáticas da astenosfera, desenvolvendo colossais forças de atrito, empurram e remodelam, energia assombrosa metamorfoseando o mapa-mundi.
Vídeo: Deriva dos Continentes (www.youtube.com/watch?v=ft-dP2D7QM4&feature=related)
Detenho-me, absorto em divagações sobre a intrínseca natureza das coisas, e reavalio as noções de permanência e de mudança. Não há remanso no coração da matéria. Nos esquisitos e mal compreendidos domínios do infinitamente pequeno, operam-se, incessantemente, subtis e prodigiosas alterações. Forças em permanente actuação, consumadas por bosões energéticos, são as manifestações de um campo unificado de quatro faces. Pedem energia ao princípio da incerteza, ganham existência e, rodopiando incansavelmente, mantêm coesa a fina estrutura de tudo, exercendo um férreo domínio sobre os fermiões. Feita de corpúsculo ou de ondas, a realidade é o resultado de algo muito menos compreensível do que aquilo que os nossos sentidos afirmam: a espuma de actividade transvaza, borbulhante, até naquilo a que chamamos de vácuo. Pois que fértil é o campo quântico, onde a todo o instante são criados pares partícula-antipartícula que, embora de existência fugaz, retratam um ininterrupto ciclo de transformação.
Imagem: Campo Quântico (http://pdg.cecm.sfu.ca/~warp/exp7f1.gif)
Em explosões trovejantes, escrevo com letras tremidas, arquitectadas em muitas vidas, umas apagadas e outras, vibrantes. Espalho palavras sentidas, chamas frouxas, sumidas ou clarões intensos e ofuscantes. Às vezes, pinto telas em tons brilhantes: libertando emoções reprimidas, cruzo fronteiras proibidas, fazendo viagens alucinantes. Partilho experiências vividas, umas cinzentas e monótonas, outras, belas e excitantes. Usando a pobre imaginação, novos mundos são arquitectados; coerentes ou desenquadrados, representam a minha visão. Factos simples e desgarrados, eventos irreais e sonhados, ou teorias da conspiração… Hipótese ou firme constatação, feita de delírios amalucados ou de segura investigação. Assim são estes bocados, caóticos ou ordenados, feitos de sentimento e razão…
Porque este lugar completou, esta semana, um ano de existência.
Imagem: Escrever (
www.business.utah.edu/humis/photos/organization_953_1164255704ROUNDED600.jpg )
Epílogo
“Não, não vou relatar tudo o que presenciei naquela manhã de horrores, enquanto a terra se parecia abater sob os pés dos infelizes e o mar absurdamente galgava paredões, varrendo tudo e todos, à força de vagas desmesuradas. Tampouco mencionarei os gritos expirantes dos que soçobraram às infernais lavaredas, dizimadoras da esperança dos que ficaram. Repudio a própria lembrança de um cenário assim, dilacerante pela noção de que o pretensioso ser humano, apesar de tudo o que já conseguiu alcançar, continua a ser totalmente impotente perante a energia destrutiva de uma Natureza que é, tantas vezes, cruel.
Desde esse dia, tenho percorrido inúmeros trilhos desse obscuro e tumultuoso passado que pertence a todos, efectuando registos videográficos que, a seu tempo, serão divulgados. Ah…! Parece que encontraram a câmara de filmar que perdi durante a batalha de Aljubarrota, mas estou em crer que não a poderei reclamar, pelo menos por agora!”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Primeira Página (que maravilha é o Photoshop!)
“Três longos anos da minha vida foram devotados ao entendimento de como aquele espantoso evento ocorrera, lançando-me numa impaciente tentativa de o replicar. Servi-me, para isso, da minha memória e dos maquinismos que presumivelmente haviam gerado aquela ímpar condição de descontinuidade que me havia arremessado para o passado. Uma a uma, as respostas foram sendo custosamente encontradas, experiências exaustivas tornando viável o que era anteriormente inadmissível. Debati-me com escolhos de toda a ordem e não poucas vezes considerei renunciar à tarefa de tornar maneiro, o miraculoso engenho que me levaria, uma vez mais, a pontos dissemelhantes de uma mesma linha temporal. Não me vou delongar em detalhes, por agora. O meu objectivo está concretizado: estou em Lisboa, na primeira hora do dia um de Novembro do Ano Da Graça de Mil Setecentos e Cinquenta e Cinco; preparo-me para assistir in loco ao terramoto, num local que considero ser seguro. Aluguei, a troco de uma moeda de prata, herança de família, um quarto numa estalagem surpreendentemente limpa, e vou esforçar-me por dormir algumas horas. Se pressentir algum perigo eminente, terei certamente oportunidade de lhe escapar, accionando o deslocador. Se não voltar a escrever acerca desta espantosa aventura, é porque me perdi definitivamente num passado que quis resgatar…”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Gravura Alusiva ao Terramoto de 1755 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Terramoto_de_1755)
“Os febris dias que se seguiram desvaneceram-se à frente dos meus olhos, fumo mágico elevando-se do caldeirão das investigações para onde me havia deliberadamente lançado. Alienei-me do mundo, enquanto procurava freneticamente um substrato teórico para o caldo peganhento que a realidade me tinha atirado à cara. Durante meses a fio, fui um eremita de mim mesmo, dedicado por inteiro a uma ascese filosófico-tecnológica que tinha por único fim o entendimento desse continuum não espacial a que se chama Tempo. Aparentemente, a irreversível sucessão de eventos flúi, como as águas de um rio, num único sentido. Mas, e se esse córrego se encurvar abruptamente, torcendo-se num cotovelo fechado, e passar a transcorrer numa linha quase paralelamente tangencial? Não poderá um homem, munido de artefactos de escavação, ser capaz de construir um túnel que o leve de um ponto a um outro, pretérito, sem que tenha de percorrer o trajecto às arrecuas? E, dispondo de ferramentas e materiais adequados, não será esse mesmo indivíduo hábil o bastante para edificar uma ponte que o leve ao futuro...?”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Diagrama VAD-Tempo
“Sentia-me nauseado e lutei, em vão, contra o desarranjo em que me vi. A muralha fortificada da minha mente havia sido atacada ferozmente. Projécteis, arremessados pela catapulta de uma constatação inexequível, derrubaram prenoções, como se fossem blocos de pedra empilhados à toa, sem qualquer argamassa. Os sentidos deparavam-se-me fortemente abalados, as portas da fortaleza hediondamente fendidas pelo aríete do que havia visto e me recusava a admitir. A custo, ergui-me do chão frio quando a paralisia mesmérica em que havia caído foi abruptamente descontinuada, ao escutar, ao longe, as badaladas da pêndula do campanário. Teriam sido onze? Mas, eu tinha-as ouvido imediatamente antes de ligar o torno! Olhei para o meu relógio: ou estava seis minutos adiantado ou eu havia sido atirado para um passado que, embora próximo, não podia estar assim, tão acessível! E, contudo, eu tinha-me observado a trabalhar, como se estivesse ausente do meu corpo, sem que o tivesse abandonado. E havia assistido por duas vezes ao fogo de artifício da luminária...! Tornava-se cada vez maior, a certeza de que tinha viajado no tempo…”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Relógio de Pulso (Produção Própria)
“Durante dois ou três minutos, subjugado por uma quase total imobilidade do corpo, perdi-me num dédalo de pensamentos vertiginosamente contraditórios, demandando respostas para questões que nunca haviam sido formuladas. Fechei os olhos e respirei fundo, procurando desacelerar a mente e evitar a cefaleia cegante que se parecia querer formar. Voltei a abri-los quando um estrondear sucessivo se fez ouvir, as ampolas de vidro estilhaçando-se numa miríade de pequenos pedaços, deixando na semi-obscuridade aquele local, onde um acontecimento incomum teimava em provocar a razão. A máquina queixava-se, num assobio cada vez mais agudo e um raio de sol, passando através da pequena janela virada a oeste, tocou o rosto desassossegado do meu outro eu, destacando-o fortemente contra as sombras. Vi-o contorcer-se em pulsantes esgares convulsivos, síncronos com uma desusada translucidez que o parecia desmaterializar e corporizar consecutivamente, num padrão cada vez mais impetuoso, até nada mais restar que um vulto gasoso e sem contornos definidos. E por fim, numa bestial e silente detonação de energia, senti que todas as células do meu corpo se perfizeram, quando voltei a ser apenas eu…”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Lâmpada Explodindo (original em http://www1.istockphoto.com/file_thumbview_approve/2299301/2/istockphoto_2299301_exploding_bulb.jpg)
“E depois, um som horrível, sibilante e intenso, seguido de um baque surdo. Silêncio. Um silêncio desprezado e doentio. E o recobramento da estrutura dos sentidos, feito de rompante, assustador por me perceber caído no chão, atordoante pelo imediato reconhecimento de uma realidade extravagante mas inequívoca. Não sei se o mesmo acontece com os outros, mas não nego que, desde criança, sempre me senti assombrado pelo excêntrico sonho de conhecer o passado, vendo-o com os meus próprios olhos. Muitos cenários foram debuxados, mas nunca previra o tremendo choque de me ver, de ver um outro eu, um imago feito não de lembranças mas de carne e osso, ocupando o espaço onde antes me encontrava, fazendo o que eu havia estado a fazer… E pensar que os psicólogos se atrevem a falar frivolamente de dissociação de personalidade! A dois ou três metros de mim, quase de perfil, estava o meu verdadeiro alter-ego. Senti-me devorado por profundos temores e recordo-me de ter começado a tremer descontroladamente: haveria lugar num só universo para uma cópia de mim mesmo? E qual de nós seria a cópia…?”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Alter-Ego (original em www.sakisrouvas.gr/_alterEgo/images/poster1.jpg)
“A génese daquele extraordinário evento havia ocorrido alguns anos atrás ou, olhando de uma perspectiva singularmente distinta, alguns séculos no futuro. Até àquela manha fria de Inverno, nunca podia ter suspeitado que as conjecturas de Robert Forward pudessem ter algum fundamento. Encontrava-me na pequena mas bem equipada oficina, entregue à trivial tarefa de fazer, no torno mecânico, uma peça a ser aplicada no velho carro que andava a restaurar. Subitamente, enquanto as lâmpadas do tecto rebentavam numa sequência semelhante ao disparo de uma metralhadora, percebi um aumento assustador na velocidade de rotação do aparelho. Sem qualquer advertência prévia, o corpo pareceu contorcer-se-me, num consciente opróbrio de desconformes e espasmódicos movimentos, cada pedaço de mim arrancado sem anestesia para ser projectado numa direcção temporal inadmissível e, paradoxalmente, tão efectiva. Por um instante interminável, o mundo deliu-se num amorfo lugar solitário, nenhuma voz se fez ouvir e nenhuma imagem teve significância, como se os sentidos se tivessem abscindido do espaço e do tempo, enrolados no rodopio daquela máquina em aparente descontrolo…”
V.A.D. em Viagem.
Imagem: Abscisão (www.filterforge.com/filters/1360.jpg)
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