Sexta-feira, 30 de Novembro de 2007

Interrogação

“Olho para as grandes realizações do pensamento humano e admiro-me com aquilo que foi já alcançado. Contudo, interrogo-me constantemente sobre o quanto haverá por descobrir…”

V.A.D. em Algures.

publicado por V.A.D. às 02:21
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Quinta-feira, 29 de Novembro de 2007

Imutabilidade

“Por um momento, quando entrei, a sala foi-me estranha. A velha mobília, cuidadosamente tratada com óleo próprio para móveis, parecia estar exactamente como sempre a lembrara: o sofá no mesmo canto, o candeeiro de pé ladeando-o e as almofadas, bordadas à mão com motivos florais, distribuindo-se sobre ele de forma ordeira. Os livros na estante dir-se-iam intocados durante a minha ausência e o pequeno mapa-mundi, cuidadosamente emoldurado, permanecia estático na parede alva, para me fazer recordar os nomes e as bandeiras dos países, a geografia política teimando em resistir às alterações de um passado recente, guardando os conhecimentos que o meu falecido avô fazia questão de partilhar. Julguei-me atracar no cais abrigado e acolhedor de uma prodigiosa ilha, isolada do tempo, imune ao bulício erosivo do oceano da vida moderna, em permanente frenesi. Olhei para a janela envidraçada, por onde penetravam os últimos raios de sol daquele límpido dia de Inverno, emprestando ao ambiente uma suavidade que me enternecia e comovi-me. Há coisas que parecem não mudar…”

V.A.D. em Imutabilidade.

Imagem: Sala (original em www.lakechamplainsummer.com/livingroom2%20%20SEwebblur.jpg)

música: Think Twice (Groove Armada)

publicado por V.A.D. às 03:10
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Quarta-feira, 28 de Novembro de 2007

Aldeia (II)

Descia o trilho empedrado, sulcado pelas passadas de incontáveis pés, erodido pelas inumeráveis chuvas de muitos Invernos e parecia-me estar a avançar sobre uma ruína de ossos esbranquiçados pelo sol de séculos sucessivos. Na margem do ribeiro, por onde a água havia há muito deixado de correr durante todo o ano, ainda se viam as lajes onde os trapos eram esfregados, enquanto as línguas viperinas lavavam roupa suja. Dir-se-ia que o velho casebre estava há muito abandonado, as paredes desnudas mostrando as pedras irregulares cuidadosamente empilhadas numa harmoniosa confusão, escurecidas pela inacabável passagem das estações. O telhado, vergado pelo peso dos anos, fazia lembrar uma tela castanho-escura e irregular, cheia de salpicos amarelados, os líquenes e tufos de erva conquistando aquele território aéreo. Da fuga, encarvoada pela fuligem, soltavam-se rolos de fumo e no ar pairava o agradável cheiro da madeira em combustão. Antecipando as palavras que tão bem conhecia, “pode entrar, a porta ‘tá aberta!”, bati na vidraça do postigo. Um rosto, cheio de rugas e tisnado pela dura vida no campo, abriu-se num sorriso de rara espontaneidade. Entrei e dei-lhe um abraço caloroso. A fumaça, que enchia a casa e a alma do velho, começou de imediato a dissipar-se, escorrendo para a tarde fria através da porta entreaberta.

Imagem: Casebre (www.gulfislandsguide.com/photos-gabriola/images/stonehouse.jpg)

música: This Old House (Neil Young)

publicado por V.A.D. às 02:30
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Terça-feira, 27 de Novembro de 2007

Aldeia (I)

Da água, o meu olhar voltou à água. O reflexo mostrava agora um sorriso no rosto. Desaparecera, como que por artes mágicas, aquela expressão indecifrável de cansaço, que me tornava semelhante a uma estátua, mas guardei-me num silêncio de estrebuchante tranquilidade. Estava perdido num labirinto de rememorações e fazia de conta que havia retornado aos dias de antanho, quando a brincadeira era o meu mundo, edificado com a mansa simplicidade das horas despreocupadas. Tantas vezes aquele tanque havia sido um oceano imenso, onde os barquinhos, construídos de madeira e cortiça, capitaneados por lendários piratas e oficiais ao serviço de reis imaginários, se viam envolvidos em duríssimas batalhas navais. Tantas vezes havia regressado, em choro, a casa da minha avó, a roupa encharcada pela parvoíce implicante do meu irmão, que achava engraçado molhar-me… A chuva chegou sem aviso, num aguaceiro ensolarado, os pingos grossos e frios batendo com força nas pedras irregulares da parede do velho poço, à beira da ruína, depois de anos de desuso. Levantei os olhos e fui atingido bruscamente pela constatação, evidente e agradável, de que a aldeia das minhas raízes, embora jamais tivesse achado os prazeres da cidade, continuava a ser um bálsamo para a minha mente.

Imagem: Poço (produção própria)

música: My Hometown (Bruce Springsteen)

publicado por V.A.D. às 01:59
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Segunda-feira, 26 de Novembro de 2007

Ser

                   

É nas coisas simples e pequenas que encontro a maior beleza. Complexidade infinita transformada subtileza, enche-me de inquietações ardentes e de emoções serenas, alumia a minha mente e alivia-me as penas. Misto de peso e leveza, que me fortalece e seduz, preenche de calor a alma vazia: onde antes nada havia, cola pedaços de luz. Para a elevação me conduz, fascina e serve de guia…

É na quietude de certos momentos, que descubro a minha vida, de ousadia e temores preenchida, feita de horas felizes e alguns tormentos, cheia de êxtases e desalentos, existência intensa e sofrida. É na agitação dos dias pacatos, que me apercebo de quem sou: futuro que ainda não se revelou, somatório de instantes transactos. Feito de raciocínios e de actos, simples ser, que a natureza criou…

Vídeo: Ser Humano (www.youtube.com/watch?v=qjVuSK62CHU )

música: Simple Things (Zero Seven)

publicado por V.A.D. às 00:41
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Sábado, 24 de Novembro de 2007

Louco

                 

Uma gargalhada irracional flutuou pela sala. A própria luz, que até então entrava pela pequena ventana em raios de um branco imaculado, pareceu tornar-se vermelho-acinzentada, o sangue enfermo da insanidade inquinando-lhe o percebimento, a cinza da degradação corrompendo o ar. O mundo transformou-se, pairando numa quietação que não era exactamente silêncio. A respiração, arquejante e desregrada, silvando como um réptil encurralado e o coração, ressoando em batidas alvoroçadas, preenchiam o estrépito do sossego. Sentia uma brisa tórrida e pútrida a gelar-lhe a cara, os membros e o corpo; um perfume de violetas amarelas entranhava-se-lhe nas narinas, recordação endemoninhada de um outro tempo, nunca vivido, nem sequer sonhado. Alfinetes duros e pontiagudos quebravam-se, a cada toque, na pele desnuda de um corpo que teimava em ser de um outro alguém que não ele, um formigueiro hiperestésico que lhe empanava os resquícios da razão. Sentiu-se desfalecer numa maré de energia que o alagava em golfões de suor. Acordou, trémulo e debilitado, deitado numa enxerga da ala de psiquiatria do velho hospital, os sedativos roubando-lhe o Universo por onde às vezes viajava…

Vídeo: Insanity (Supuration) (www.youtube.com/watch?v=6l8Q7xtO5gI)

 


publicado por V.A.D. às 02:58
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Sexta-feira, 23 de Novembro de 2007

Mudança (VI)

                  

A mudança, tantas vezes repelida e indesejada pelos seres humanos, é indeclinável: está inscrita nos mais profundos níveis da realidade, desde os mais ínfimos e básicos tijolos da matéria, até às incomensuráveis estruturas cósmicas. O próprio tempo não é absoluto e varia, literalmente, numa relação inversamente proporcional à velocidade a que nos deslocamos. Se nada existe para além dos limites do Universo, a sua expansão implica geração do inerente espaço que, assim, deixa de ser, aos nossos olhos, uma entidade física estática e imudável. Se existe qualquer coisa, em vez do nada que antes existia, é porque a modificação é inelutável. A própria matéria não é eterna; até os quarks, existentes desde a alvorada da realidade,  desintegrar-se-ão, transformando-se em radiação, num futuro inconcebivelmente distante…

No plano filosófico, todas as verdades são permissíveis, mas o pragmatismo da ciência tem conseguido, nos últimos séculos, elaborar um modelo coerente e racional que, embora longe de decifrar tudo, possibilita um bom entendimento das coisas.

Vídeo: Excursão ao Espaço-Tempo (www.youtube.com/watch?v=PsG3qdKIKYE)

 


publicado por V.A.D. às 03:19
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Quinta-feira, 22 de Novembro de 2007

Mudança (V)

                  

Nascem astros em catadupa, uma vez mais a gravidade a ser protagonista, exercendo o seu efeito aglutinador, comprimindo a matéria abundante, elevando a temperatura até ao ponto em que os átomos de hidrogénio se fundem uns nos outros, ejaculando energia num nuclear êxtase de luz, gerando uma prole de novos elementos, parindo em tetania as peças elementares de que somos feitos. Discos de acreção, num remoinhante baile celeste, convertendo-se em minúsculas mas crescentes entidades, um cortejo protoplanetário em torno do luzeiro. Milhares de milhares de estrelas, aglomeradas em galáxias, vivendo até ao esgotamento do combustível, ruindo no final para dar lugar a uma nova geração, as ondas de choque dos estertores da morte servindo de rastilho à reorganização dos gases, um empurrão cinético que permitirá a ignição. Pélagos espaciais, milhões de anos-luz, preenchidos por longos e brilhantes fios galácticos, numa rede aparentemente homogénea e isotrópica, um universo finito mas ilimitado, expandindo-se eternamente ou, quem sabe, atingindo um ponto em que o retrocesso se tornará inevitável, até que, éons depois, a grande implosão tratará de devolver ao universo a singularidade. E o ciclo a repetir-se…

Vídeo: Nascimento, Vida e Morte de Uma Estrela (http://www.youtube.com/watch?v=za4KL0l89gw )

 


publicado por V.A.D. às 03:04
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Quarta-feira, 21 de Novembro de 2007

Mudança (IV)

                 

Diante dos nossos olhos, e tão difíceis de serem vistos, desenvolvem-se os jogos da matéria. Inauguraram-se, há quase catorze mil milhões de anos, numa fulgurante e inimaginável explosão, o vazio transformado em energia, o nada transfigurado em tudo, o tempo dimanando de onde antes nem a eternidade fazia qualquer sentido. Antecedentemente, apenas o inconcebível vácuo, desprovido de dimensões e de significado, ovo quimérico que poucos ousam controverter, ínfima bolha condensada de forças titânicas, encerrando-se a si própria, contendo o Universo. Mas, escutemos o tempo que, lenta ou velozmente, leva a cabo a sua obra, acordando a matéria, separando a gravidade das outras forças fundamentais, o incomensurável calor dos primeiros segundos esvaindo-se, a expansão inflacionária a consentir que germinem quarks, os quarks formando protões e neutrões, a génese dos elementos a acontecer, a verdadeira alquimia a ter lugar. E, quase meio milhão de anos depois, a luz, fúlgida e cintilante, irrompe intempestivamente da prisão da gravidade, enchendo o espaço com o seu brilho, iluminando os grumos de matéria em contínua transformação…

Vídeo: Aquém da Grande Explosão (http://www.youtube.com/watch?v=hSZqhqR5XKM&feature=related )


publicado por V.A.D. às 02:09
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Terça-feira, 20 de Novembro de 2007

Mudança (III)

                  

Imensas correntes oceânicas, transportando incomensuráveis massas de água, circulam através dos oceanos, modelando as condições atmosféricas. Tempestades eléctricas rasgam a noite com deslumbrantes descargas de energia, enquanto nuvens negras de chuva assombram a superfície de um planeta que respira, que se movimenta, que chora e padece, que evoluciona e frutifica, animado por um sopro de vitalidade, instilado pela querença da Grande Arquitecta, as dinâmicas e cíclicas variâncias climatéricas resultando num maravilhoso e precário equilíbrio. Tudo devemos à prodigiosa torrente de energia, proveniente da Estrela Mãe, qual centelha que ateia e ceva os mecanismos, em contínua operação, de toda e qualquer estrutura biofísica, numa veemente recusa de condescender à estagnação. A vida, abraçando todos os recantos, floresce pela luz, a máquina dos estados do tempo é posta em movimento por desigualdades na quantidade de calor recebida em latitudes diferentes, e até o humor dos meus iguais varia em função de céus limpos ou de dias nublados. Ventos ciclónicos ou brisas cálidas, dilúvios bíblicos ou secas infernais, temperaturas gélidas ou amenas tardes estivais, nada mais são que manifestações de um clima num sempiterno ciclo de mudança.

Imagem: Mudança das Estações (www.youtube.com/watch?v=hH8UMbzgIAE)

 

música: Weather With You (Crowded House)

publicado por V.A.D. às 01:38
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