Quando era criança, sonhava com um gravador que pudesse ser ligado ao meu cérebro. Queria registar de alguma forma a música electroquímica da actividade mental, filmar a complexa coreografia das sinapses, fotografar os evanescentes fios do pensamento, para os poder reproduzir mais tarde em ocasiões convenientes. Assim, eu poderia conservar para sempre aqueles momentos de melancolia e analisá-los mais tarde, ou guardar eternamente as explosões de alegria que dão sentido à vida. Poderia ouvir distraidamente as Tágides, certo de que seria capaz de recordar tudo o que elas dissessem. Ainda não tenho o meu gravador de pensamentos, e os ténues vislumbres de ideias fugidias perdem-se no rio caudaloso e serpenteante do meu intelecto, para nunca mais serem recuperados.
Imagem: Cérebro-EEG (www.mapeamentocerebral.kit.net/16Brain_EEG_jpg.jpg)
Quem nunca viveu o sentimento de êxtase que acompanha o confronto com inquietantes questões metafísicas ou o enlevo infundido por profundas experiências estéticas; quem nunca sentiu a futilidade e as insondáveis depressões cósmicas, que surgem de repente quando se é confrontado com a magnitude e a magnificência da Natureza; quem nunca experimentou essa solidão intangível acompanhada de uma sensação ímpar de desespero, quando o mundo parece desdenhar de nós; quem nunca se sentiu sufocado por uma sensação de pesar, não consigo mesmo, mas em face do vazio que jaz nas entranhas da sociedade; quem nunca teve a repentina impressão de que todo o seu ser se fundia com o Universo, enquanto apreciava a precisão e a ordem das coisas naturais; quem nunca vivenciou a interrupção do tempo e se viu dissolvido na totalidade de um evento ou de uma realidade extraordinária… Quem nunca sentiu nada disto, não é humano.
Imagem: Vortex (www.vortexhouse.com/images/vortex.jpg)
“As lembranças continuam o seu desfile, preenchendo com imagens do meu planeta os silenciosos espaços da minha mente, esvaziados por décadas de afastamento. Recordo, uma vez mais, o momento em que tudo principiou. Era uma agreste madrugada de Outono e pairava no ar o cheiro de chuva eminente. O vento arrastava as folhas secas e a lua cheia tornava-se visível a espaços no céu sulcado de nuvens, o pálido clarão incidindo sobre as fachadas dos prédios que ladeavam a rua, já fervilhante de gente ainda alheia a tudo o que a rodeava. Atrasado como ia sendo hábito, dirigia-me apressadamente para a estação, ciente de que não podia perder o comboio. Naquele dia nem devia ter entrado no cafezinho onde habitualmente tomava o pequeno-almoço, mas as rotinas instituídas têm um enorme poder e, sem que sequer tivesse dado conta, vi-me encostado ao balcão a cumprimentar com um sorriso a jovem que regularmente me servia o galão e o mil-folhas. Lembro-me de ter olhado em volta, em busca de caras conhecidas. A um canto da sala, sob a luz branca mas pouco intensa das lâmpadas fluorescentes, as linhas do seu rosto marcavam uma seriedade que fazia lembrar a das máscaras tão bem esculpidas pelos índios da América Central...”
V.A.D., em Algures.
Imagem: Lua Cheia (www.blueridgemuse.com/Muse/images/July05/072005moon.jpg)
Em geral, tendemos a pensar no nosso esqueleto como algo duro e inerte, que fica escondido por tudo o que é quente e vivo, e que, consequentemente morre e se desintegra. Completamente segmentado, maravilhosamente articulado, o esqueleto mantém-nos erectos, permite-nos andar, dançar, correr e usar um teclado. As costelas protegem o coração, os pulmões e outros órgãos vitais. O interior dos ossos abriga as células produtoras de sangue, e a resistência do crânio serve de armadura para os delicados tecidos cerebrais. Em suma, sem o esqueleto, o nosso corpo desmoronar-se-ia como uma gelatina informe, incapaz de se mover e de se manter de pé. Será o esqueleto apenas uma espécie de cabide natural que sustenta e protege a carne? É forçoso reconhecer que a natureza obedeceu muito mais a imperativos fisiológicos do que a razões de mobilidade e elegância. A sua função primária é armazenar e fornecer, consoante as necessidades do organismo, um conjunto essencial de materiais vitais, dos quais os mais importantes são o cálcio e o fosfato. A sua conveniente dureza foi utilizada pela evolução para servir às funções secundárias de locomoção e protecção.
Imagem: Esqueleto (Atman Victor)
"A simplicidade é tão complexa que muito poucos a conseguem atingir"
V.A.D., em Algures
Imagem: Quadro Branco (www.esculhambacao.com.br/quadrobranco.jpg)
“Era um globo em relevo de um mundo, parcialmente em sombras, girando sob o ímpeto de uma mão gorda que refulgia com anéis. Estava colocado numa armação, numa parede de uma sala sem janelas, e cujas outras paredes estavam cobertas por uma verdadeira manta de retalhos feita de manuscritos, livros-filme, gravações e bobinas. A luz brilhava na sala vinda de bolas douradas suportadas por campos suspensores móveis. Uma secretária elipsóide com um tampo de madeira petrificada, cor-de-rosa, estava no centro da sala. Cadeiras Veriform rodeavam-na, duas delas ocupadas. Numa sentava-se um jovem de cabelos negros de cerca de dezasseis anos, rosto redondo e olhos carrancudos. Na outra estava um homem esguio, baixo, com rosto efeminado. Ambos olhavam para o globo e para o homem, meio escondido nas sombras, que o fazia girar. Um riso sufocado fez-se ouvir. Uma voz de baixo rugiu, emergindo do riso…”
Excerto de Dune, de Frank Herbert, escritor norte-americano de ficção científica, nascido em 1920 e infelizmente já falecido. Adaptada ao cinema por David Lynch, esta obra tem sido considerada um dos expoentes máximos deste género literário, e nela são abordados temas que vão desde a religião até à política, analisando as eternas ambições humanas e propondo uma cada vez mais premente aliança entre o Homem e a Natureza.
Imagem: Dune (Schoenherr) (http://i107.photobucket.com/albums/m312/KarenAK/Elfwood/Schoenherr-Dune-500.jpg)
“As saudades revolvem-me as entranhas, num nostálgico e permanente desassossego. Fecho os olhos e deixo que os meus pensamentos voem até à aldeiazinha onde cresci, tão longe no espaço e no tempo, e contudo tão disponível quando a invoco para me trazer de volta a serenidade de que tanto necessito. As memórias desses despreocupados anos da minha juventude transportam-me à velha eira da minha avó e trazem com elas o cheiro inigualável da palha de trigo, seca e dourada, em que nos deitávamos para observar as estrelas e sonhar com viagens fabulosas através do negro oceano cósmico. Parece-me, ainda agora, vislumbrar a etérea dança dos pirilampos, nessas noites quentes de verão, inundadas de sons de grilos e rouxinóis, e pontilhadas pelo ocasional piar de um mocho. Recordo-me daquelas manhãs luminosas, refrescadas pela brisa estival que quase sempre soprava de noroeste e que a meio da manhã cessava, para dar lugar à canícula. Não há nada que substitua as nossas raízes. As coisas eternas devem ser eternamente reafirmadas…”
V.A.D., em Algures.
Imagem: Planeta Alienígena (www.nasa.gov/images/content/119556main_image_feature_359_ys_4.jpg)
Uma grande revolução tem impulsionado a física de maneira espantosa, abrindo os nossos olhos para uma visão da realidade, simultaneamente nova, poderosa e ainda enigmática. Embora a Natureza guarde ciosamente os seus mais íntimos segredos, começámos recentemente a vislumbrar um nível de ordem no Universo, mais profundo e mais belo nas suas simetrias do que tudo o que ousávamos imaginar ainda há pouco tempo. Desde a antiguidade, as duas perguntas que os filósofos costumavam fazer – do que é feito o mundo? Como funciona? – eram consideradas separadamente e de maneira distinta. Em épocas mais recentes, alguns físicos centravam a sua atenção sobre as partículas subatómicas: electrões, protões e neutrões. Para outros, não eram as partículas em si, mas o seu comportamento e as suas interacções, as forças fundamentais da natureza, o que parecia mais interessante. Nas últimas décadas, porém, as duas abordagens convergiram, porque se tornava claro que os três constituintes do átomo eram de maneira geral compostos por duas classes da partículas, situadas a um nível ainda mais fundamental, denominadas leptões e quarks, possuidoras de notáveis simetrias que nos fornecem chaves para o entendimento das suas interacções e comportamentos. Os cientistas são particularmente sensíveis às simetrias, pois estas confirmam que, sob a miríade de substâncias existentes, jaz um alto grau de ordem e racionalidade; não falta nada, o mundo faz sentido.
Imagem: Super Simetria (www.nahee.com/FOTD/images/Super_Symmetry_.GIF)
“Neste longo entardecer de um planeta longínquo, perto do coração da galáxia, os céus são de uma beleza estonteante. Sóis duplos insistem em coagular o horizonte em raios de cor metálica, nunca permitindo que o breu nocturno, tão familiar ao Homem, se aposse por completo dos sentidos e sincronize mente e corpo com ritmos que, ao longo de incontáveis gerações, foram determinados e vigiados pelo hipotálamo. A temperatura amena e a brisa ligeira entorpecem-me e a atmosfera rarefeita induz em mim um permanente cansaço. A serenidade desta paisagem alienígena não chega para lavar a melancolia que me assola. Estou neste lugar há demasiado tempo…”
V.A.D., em Algures.
Pela visão clássica ou do senso comum, o tempo corre como um rio constante, alheio às nossas actividades e indiferente aos nossos desejos. É também verdade que a nossa percepção do tempo é subjectiva e varia, não apenas de pessoa para pessoa, mas também para o mesmo indivíduo, de acordo com aquilo que ele está a fazer: “o tempo voa quando nos estamos a divertir”. No entanto, a maioria das pessoas concordaria quanto à existência de uma indiscutível, absoluta e objectiva realidade, na qual o tempo flui inexoravelmente para a frente. Qualquer menção de que esse fluxo possa ser acelerado, retardado ou alterado de alguma forma soa como pura fantasia. Contudo, hoje os cientistas falam sobre um tempo elástico que pode ser tanto comprimido quanto esticado. Com a maior das naturalidades, eles teorizam sobre lugares exóticos onde o tempo se mantém parado ou até cessa de existir e em publicações científicas pode-se ler sobre não menos estranhas partículas subatómicas que viajam recuando no tempo. Algumas experiências têm vindo a confirmar estas teorias, provando que realidade é mais extraordinária do que alguma vez poderíamos supor…
Imagem: Ampulheta (http://i41.photobucket.com/albums/e295/petre_andrei/44.jpg)
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