Quando pegamos numa maçã, percebemos a sua posição, o seu tamanho, a sua forma, a sua cor, a sua textura, a sua dureza e a sua temperatura ao mesmo tempo. Todos estes parâmetros são entendidos simultaneamente e parecem misturar-se; a experiência tem uma unidade à qual chamamos maçã. Cada ser humano tem dentro da cabeça um hiperespaço de n dimensões, ou seja, uma rede de células nervosas que pode acomodar uma variedade quase infinita de padrões, cada um correspondendo a eventos ou objectos únicos. Einstein postulou um hiperespaço de quatro dimensões, um modelo do Universo que consiste nas três dimensões do espaço físico – comprimento, largura e altura – acrescentado de uma quarta dimensão, o tempo. Mas um hiperespaço pode ter um número qualquer de dimensões acima de três. De facto, se o tempo pode ser considerado uma dimensão, porque não podemos fazer o mesmo com a textura, ou com a cor, ou a temperatura? Ou qualquer uma de outras infinitas características de um objecto? Porque não? Provavelmente porque estamos amarrados aos nossos preconceitos. Até o próprio conceito de tempo enquanto dimensão não nos é intuitivo…
Imagem: Pensamento (Rodin) (http://www.cartage.org.lb/en/themes/Arts/scultpurePlastic/UnderstandingSculpture/Patina/WhatisPatina/AugusteRodin/rodinthought1.jpg)
Não podemos pensar no cérebro como se de uma máquina ou de um computador se tratasse. A informação proveniente dos neurónios sensoriais chega ao cérebro não como resultado de uma corrente transmissora ou da transferência de dados tal como a conhecemos no âmbito da informática, mas sim devido a um padrão de actividade nervosa, criado pela estimulação simultânea de centenas de milhares de fibras nervosas paralelas. Uma vez que cada neurónio é ligeiramente diferente de todos os outros, ele experimenta a sua própria versão de um objecto ou de um evento. Desta forma, quando estimulada ou solicitada, cada fibra dispara impulsos nervosos com a sua própria frequência e codificação. O padrão de transmissão, ou seja, quais as células que são activadas e em que frequência, produz uma imagem interna a que chamamos de pensamento. Numa analogia interessante, consideremos um acidente de automóvel, presenciado por um grande número de pessoas. Cada individuo tem a sua própria perspectiva do que sucedeu, mas o desastre pode ser reconstituído acuradamente a partir do consenso de todas as testemunhas.
Imagem: Pensamento (www.chetart.com/portfolioimages/thought.jpg)
Hoje há no mundo mais de seis mil milhões de seres humanos de reacções imprevisíveis, cada um deles controlado por três instâncias psíquicas, que segundo Freud serão o id, o ego e o superego, ou, numa visão mais moderna, o cérebro reptiliano, o sistema límbico e o córtex cerebral. Existe também uma infinidade de motivações sociais, económicas, políticas e religiosas. Para se poderem fazer previsões exactas sobre a humanidade, seria necessário lidar com milhões de milhões de variáveis, algo que é virtualmente impossível. Além disso, existe um outro problema. Consideremos gotas de água caindo sobre uma pedra. Enquanto a acção da água sobre a rocha pode ser modelada de maneira a que se consigam fazer previsões sobre os resultados dessa actividade, cada ser humano possui uma consciência mais ou menos desenvolvida e, o que é mais, em plena actualização. Na natureza, um estímulo igual tende sempre a provocar um efeito igual, e é essa regularidade que permite a elaboração das leis das ciências exactas. Mas o mesmo estímulo sócio-psíquico, num indivíduo, não desencadeia sempre a mesma sensação, porque o homem reage não directamente ao estímulo, mas sim à consciência que tem desse estímulo, o que leva a que a mesma pessoa possa ter atitudes diferentes, em tempos diversos, perante situações idênticas.
Imagem: Homem-Universo-Sociedade (www.spaceandmotion.com/Images/cosmology/human-universe-society-cosmos.jpg)
Não deixam de ser absurdas as diferenças que se verificam no tratamento que é dado a situações similares. Infelizmente, a forma como o caso da menina inglesa tem sido tratado revela, no meu entender, a subserviência dos portugueses em relação aos estrangeiros. Refiro-me em especial à maneira como tem sido abordado pela comunicação social, mas não deixo de apontar o dedo às autoridades. Quantos e quantos casos têm havido, envolvendo crianças portuguesas, sem que tenhamos sequer sabido da sua ocorrência? Quantos raptos, quantos desaparecimentos têm envolvido os meios humanos e materiais que foram agora accionados? Afirmo que devem ser feitos todos os esforços para que o(s) autor(es) deste crime seja(m) apanhado(s) e devidamente punido(s), mas friso também a necessidade de se tratarem todas as pessoas de forma igualitária. As mães e pais portugueses que vivem dramas semelhantes têm toda a razão quando expressam o seu descontentamento por verem que afinal até existe abundância de meios, mas que, por qualquer motivo obscuro, não é utilizada para a resolução das situações trágicas pelas quais passam. Devemos também questionar-nos sobre essa coisa imaterial chamada “vontade política”, que só existe para algumas coisas e para outras parece ser algo de mitológico. Atentemos, por exemplo, na vergonha nacional que é o caso "Casa Pia". Ao fim destes anos todos, em que ponto está? Será que tem sido abafado por supostamente envolver figuras públicas? Onde está a tão propalada justiça? Será que só tem mão pesada para alguns, e deixa que outros fiquem impunes? Se de facto a vontade política se manifestasse no sentido de erradicar de uma vez por todas alguns dos males que empestam a sociedade, estou certo de que muitos crimes não seriam cometidos. Espero que a pequena Madeleine seja encontrada sã e salva, mas faço votos para que todos os casos sejam investigados com o mesmo fervor e empenho.
Imagem: Crianças
Vénus e a Terra foram criados ao mesmo tempo e sob condições quase idênticas, há 4,5 mil milhões de anos, nas quentes regiões internas da nebulosa solar primordial. Os cientistas concordam em que ambos os planetas formaram as suas atmosferas com a libertação de gases através da actividade vulcânica. Substâncias voláteis, como o dióxido de carbono e o vapor de água, além do enxofre e dos compostos de azoto, foram simplesmente vomitadas para fora das crostas dos dois planetas gémeos, em quantidades que se supõem idênticas. Contudo, a opressiva atmosfera venusiana é composta actualmente de 98 porcento de dióxido de carbono puro, enquanto na atmosfera terrestre este gás representa apenas cerca de 0,3 porcento do total. Além disso, a Terra é um planeta de água, com mais de dois terços da sua superfície cobertos por oceanos. Ao contrário, Vénus é completamente seco. Por causa destes contrastes, as questões levantadas sobre a diferente evolução destes dois planetas estão centradas em dois pontos: para onde foi todo o dióxido de carbono que deveria estar aqui, na Terra? E, por outro lado, o que aconteceu a toda a água de Vénus?
Imagem: Vénus e Terra (www.spitzer.caltech.edu/espanol/edu/askkids/images/venus_earth.jpg)
“Ia só, subindo lentamente a muralha da Serra D’Aire que defendia os terrenos de Fátima, a quem os árabes deram o nome da filha do profeta e de Khadidja, e onde os Templários esconderam o seu tesouro. O tempo de Verão estava carregado de nuvens e de electricidade, prenúncio de trovoadas que podiam surgir do céu de chumbo. Não se via vivalma. À volta das habitações restavam os inúteis quebra-lobos para proteger o gado doméstico desaparecido destas paragens. Os deuses originários do Médio Oriente elegeram esta imensa ilha de pedra encalhada na península Ibérica para as aparições dos seus enviados, certamente pelas semelhanças que nela encontraram com o seu berço, porque não descortino outra razão para fazer dela uma terra quase eleita, quando é acima de tudo inóspita e, de entre os homens, apenas seduz os desesperados peregrinos. Seriam deles as sombras que pressentia moverem-se atrás das rochas, quando me julgavam a olhar para outro lado? Era uma experiência desagradável sentirmo-nos debaixo da observação de sentinelas, mesmo num local que se presumia de paz e de bênçãos.”
Excerto de O Livro Das Maravilhas, de Carlos Vale Ferraz, natural de Vila Nova da Barquinha, Santarém. Nesta obra, Gerberto, o protagonista, viaja O longo de um caminho que atravessa alguns dos locais mais marcantes do Ocidente, perseguindo aquilo que move o homem europeu ao longo do último milénio: a procura da glória e da riqueza, tantas vezes marcada pela solidão e pela vilania. Ferraz é autor de romances como Nó Cego e Os Lobos Não Usam Coleira, tendo este último sido adaptado para o cinema sob o título de Os Imortais.
Imagem: Medina Azahara (www.espacionatural.com/4images/data/media/134/Medina_Azahara.jpg)
Vivemos simultaneamente em dois universos. O nosso mundo tem duas partes, como uma maçã cortada ao meio; a linha de corte passa exactamente pelo centro do nosso corpo. O cérebro, responsável pela gestão dos dois semimundos em que vivemos, é também separado em dois hemisférios, o direito e o esquerdo. Cada um deles controla exactamente metade do nosso corpo e monitoriza metade do ambiente que nos circunda. Consideremos duas células, uma em cada lado da linha mediana do nosso corpo. Embora possam estar a apenas dois centésimos de milímetro uma da outra, as mensagens que enviam e que recebem do encéfalo viajam por caminhos inteiramente diferentes. Seria razoável esperar que a informação sensorial e motora respeitante ao lado direito do corpo fosse tratada pelo lado direito do cérebro. Mas, na natureza, nem sempre a explicação mais óbvia é a correcta. Por alguma misteriosa razão, cada metade do corpo está ligada à metade oposta do cérebro. Contudo, apesar desta separação, cada um dos vários milhões de neurónios de um dos hemisférios consegue, de alguma forma, retransmitir os dados para o outro lado, de maneira a que as decisões sejam tomadas em conjunto. O nosso sistema nervoso reintegra os dois mundos naquilo que nós sentimos como um todo coerente.
Imagem: Maçã
A madrugada estava a despertar, e as nuvens plúmbeas recolhiam a luz indirecta do sol, ainda escondido atrás do horizonte. A terra molhada exalava aquele inigualável odor que parece colar-se às narinas e que desperta memórias de outras manhãs, de outros lugares, de outros tempos… Os últimos resquícios da sonolência matinal eram lavados pelo ar límpido e frio que penetrava nos pulmões a cada inspiração profunda. Sentiu-se invadir por uma sensação de felicidade plena, enquanto contemplava a planura dos campos ao longe, enquadrada pelas duas serras pintadas de verde e salpicadas pelo branco das casas. O chilrear dos pardais enchia de vida o silêncio das ruas ainda desertas e no jardim de sua casa dois coelhos bravos alimentavam-se da relva viçosa, recentemente cortada. Com os braços apoiados no parapeito da janela, fechou os olhos e deixou a mente vogar ao sabor da brisa fresca que lhe acariciava o rosto. Subitamente, a beleza daquele momento desvaneceu-se, quando se lembrou que eram horas de ir trabalhar.
Imagem: Amanhecer (www.weather-watch.com/gallery/albums/userpics/11570/normal_Sunrise_Clouds.JPG)
O lendário arquitecto e escultor da antiguidade tinha sido encarregado de construir o célebre labirinto para aprisionar o terrível Minotauro, fruto dos amores proibidos de Pasífae com um touro. Para escapar de Creta, onde o tirânico rei Minos o mantinha prisioneiro na sua própria criação, Dédalo fabricou asas com penas de pássaro, fixadas com cera, para si e para o seu filho Ícaro. Voou ileso até à Sicília, mas o seu temerário filho morreu: apesar dos avisos do pai, aproximou-se demais do Sol e a cera derreteu, desfazendo por completo as asas que o faziam voar, tendo caído no mar, perto da ilha grega que hoje se chama Icário. Engenhosa, a mitológica tecnologia desenvolvida por Dédalo não era contudo suficiente para chegar às estrelas. Será que existe algum meio capaz de proporcionar essa façanha, ou os arrojados projectos dos cientistas de hoje não passam de vãos exercícios experimentais? Por mais obstáculos que o Homem ainda tenha de enfrentar, estou certo de que os seus esforços dar-lhe-ão as ferramentas capazes de o habilitar finalmente à grande aventura: a concretização do velho sonho de viajar às estrelas.
Imagem: Ícaro (www.jampers.com/grega/icaro.jpg)
“Ao pôr-do-sol, no momento em que o brilho avermelhado, reflectido pelas dunas na linha do horizonte, iluminava as fachadas brancas dos edifícios abandonados, Bridgman observou da varanda as longas extensões de areia fria, cobertas pelas sombras púrpuras. Estendiam lentamente os dedos esguios pelos montes e vales e uniam-se, quais massas prodigiosas salpicadas de raios fosforescentes, para acabarem por invadir os hotéis meio submersos como uma onda gigante. Por detrás das fachadas silenciosas, nas ruas empedradas cobertas de areia, onde outrora resplandeciam bares e restaurantes, já era noite. O luar era de prata sobre os candeeiros e incidia nas persianas corridas e cornijas como uma camada de névoa gelada. Os últimos laivos de luz violeta afundavam-se para lá do horizonte e os primeiros ventos começavam a soprar.”
Excerto de A Prisão de Areia, de James Graham Ballard, proeminente escritor inglês da Nova Vaga da ficção científica. As histórias de Ballard incidem muitas vezes sobre a distopia da modernidade: a desolação de uma Natureza minada pela acção impensada do homem e as implicações psicológicas de desenvolvimentos sociais, ambientais e tecnológicos pouco sustentados. É interessante verificar que quase meio século depois da sua publicação, Passaporte para o Eterno, a colectânea onde se insere este conto, continua plena de actualidade.
Imagem: Dunas ao Crepúsculo (www.terragalleria.com/images/np-rockies/grsa0303.jpeg)
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