Nem sempre as coisas são tão simples quanto gostaríamos que fossem. Nem sempre as olhamos com um olhar sem preconceitos, de forma a podermos ver a essência. Nem sempre a essência se revela, por muito que nos esforcemos. Às vezes é melhor nem nos esforçarmos. Se tivermos que entender, entenderemos, nem que não seja no tempo em que gostaríamos de entender. Pena é que, tantas vezes, o entendimento chegue tarde. Ou aparente chegar tarde. O entendimento chega quando tem que chegar; não é uma marioneta que possamos comandar, nem é um mero processo intelectual. Para ser atingido, sentimentos, ideias, conhecimentos e percepções sensoriais têm que cooperar de forma síncrona. O entendimento é a visão global e aparentemente intuitiva da realidade.
Imagem: Luz (http://files.myopera.com/plusenter/pics/light%20from%20a%20dead%20star.jpg)
"Permanecendo sereno e completamente quieto, tentou descortinar os rostos na multidão. Aos seus olhos, como pareciam inertes e inúteis! Acotovelavam-se, sem dúvida, passando por ele e uns pelos outros, sem pressas, porque havia muito pouco espaço. (...) As suas roupas eram descoloridas e iguais. Era difícil distinguir os homens das mulheres. Os seus contornos, os seus rostos e a sua linguagem corporal estavam de algum modo indistintos. Descobriu que mantendo a sua cabeça rígida e permitindo que os seus olhos se desfocassem podia de facto observar as faces individuais: homem, mulher, jovem, velho, escuro, claro, ocidental, oriental. (...) E no entanto todos avançavam sem expressão; não apenas sem expressão, mas aparentemente sem a facilidade de poder ter expressões. Rostos abstratos. Cercando-o por todos os lados encontrava-se uma imensa sociedade obscura (...) completamente sem ambição ou objectivo. Eram como fantasmas (...) a marchar pelas ruas enevoadas, tentando ainda articular a infelicidade..."
Excerto de A Sociedade das Trevas de Brian Aldiss, nome incontornável no universo da ficção científica. Grandemente influenciado por H.G. Wells, é autor de Inteligência Artificial, conto que viria a ser adaptado para o cinema sob a direcção de Steven Spielberg.
Imagem: Multidão
No lendário e incrível reino de Utopia todos os paradoxos se tornam possíveis, as contradições coexistem logicamente e o efeito precede a causa. A sombra materializa-se e a substância esfuma-se; o invisível e o visível são um só conceito e aquilo que é imaginado concretiza-se. A realidade e a fantasia fundem-se, as palavras proferidas são imagens, cheiros e sons são suaves carícias... Lá, a matéria atravessa a matéria e o movimento entre dois lugares distintos faz-se sem que seja necessário percorrer a distância interveniente. Nesse lugar maravilhoso, a vida é prolongada, a juventude renovada e a imortalidade física garantida. O tempo é um conceito vazio de significado. Não há sofrimento nem tristeza e a dor está por inventar. Lá, os desejos têm poder criativo e os sonhos cumprem-se... A Utopia... A Utopia é um não-lugar.
Imagem: Utopia (www.paradise-engineering.com/utopia/utopia.jpg)
É frequente usar o termo realidade para definir as minhas convicções em relação ao mundo físico e sensorial, de que sou parte integrante e interventiva. Dependo dos sentidos como fonte de informação, e da mente como integradora dos dados que, durante a vigília, lhe são fornecidos em catadupa. A minha realidade é a minha verdade que, muitas vezes maculada por pequenas inconveniências perceptivas, raciocínios incorrectos e preferências mesquinhas, é exclusiva e está longe de ser absoluta. Aquilo que para mim é, pode não ser para outrem. A subjectividade das interpretações reflectirá a subjectividade do próprio universo, ou é a imperfeição dos sentidos que deturpa a realidade, amplificando as diferenças entre o que existe e o que apreendo? O meu intelecto selecciona e sintetiza meros fragmentos de tudo quanto me rodeia, sendo incapaz de absorver todos os ínfimos pormenores, impedindo por isso a minha verdade de ser mais do que um puzzle incompleto, construído peça a peça, segundo um plano inexistente. É como um castelo de areia que uma criança ou um escultor insano vai erguendo; em perpétua mudança, pela acção das ondas e pela mão do construtor.
Imagem: Castelo de Areia (www.neosurrealismart.com/3d-artist-gallery/3d-artworks/3d-fantasy-art/273d-art-sandcastleB.jpg)
"As águas azuis tocam as paredes do palácio; ouço o seu marulho suave e ondeante contra o mármore, quando me ponho à escuta. Ao longe, no mar, vejo as ondas abrilhar à luz do sol, sempre sorridentes, sempre brilhantes, sempre ensoalhadas. O mar! O mar estende-se na distância, tanto quanto a minha vista alcança. Nele fixo o meu olhar, até os olhos começarem a turvar-se; e na turvação dos meus olhos o meu espírito encontra a sua visão. A minha alma voa nas asas da memória, para longe, para lá do mar azul e risonho; para lá das ondas deslizantes e dos veleiros errantes, para a terra a que chamo o meu lar. À medida que os minutos passam, parece-me ter recuperado a visão real, e olhando à minha volta vejo-me na casa onde nasci. A rude simplicidade da minha habitação vem-me à lembrança como algo de novo. Ali, vejo os meus velhos livros e manuscritos e desenhos, e além, dispostas em velhas prateleiras, ao alto, as minhas primeiras tentativas toscas no campo da arte. Como me parecem medíocres, agora! E no entanto, se fosse livre, não trocaria a mais pequena delas por tudo aquilo que agora possuo. Possuo? Como eu sonho!"
Excerto de A Taça de Cristal, de Bram Stoker, autor de Drácula, obra sobejamente conhecida e admirada. Em muitas obras de Stoker, as temáticas da morte e do terror são sabiamente tratadas por via de uma linguagem quase poética, que preenche uma narrativa de beleza ímpar.
Imagem: Bram Stoker (www.aullidos.com/imagenes/articulos/relatos/stoker.jpg)
A noite caiu. O fogo abre um mágico círculo no meio da escuridão que me cerca. Esforço-me por me manter alerta, mas o véu da sonolência descai sobre mim como uma sombra, diluindo os contornos da realidade. O cansaço afoga-me num poço de dormência; as forças abandonam-me e em breve a minha mente deixar-se-à levar pela silenciosa corrente de um rio negro e viscoso, até ao lugar inane do esquecimento.
O meu corpo repousa, vazio de sentidos, e cessam os movimentos voluntários. As partes mais profundas do meu cérebro vigiam as funções vitais e assumem o comando, enquanto vagueio à deriva num mar de pensamentos cada vez mais incertos e desconexos. Procuro agarrar-me às mioclonias, mas são tão esquivas...! Sonhos absurdos, que rapidamente se desvanecem, mostram-me pedaços quebrados do meu dia.
Escuridão total. A imensidão da eternidade condensa-se num átomo de tempo e do nada surgem novamente os sonhos, mais vívidos e claros, porém impregnados de um surrealismo estranhamente monocromático.
De novo a cerração... Podem passar evos ou segundos; estou desligado do mundo enquanto o meu corpo se restabelece.
Olhe para o céu numa noite clara e tente divisar alguns dos planetas visíveis a olho nu. Se localizar três ou mais, perceberá que eles se alinham numa estreita faixa circular que se estende pelo céu. Essa faixa inclui a eclíptica, o percurso aparente do Sol através das constelações do zodíaco. A Via Láctea também traça um grande círculo no céu, mas numa posição diferente. Tais traçados não são casuais. Os planetas do Sistema Solar giram em torno do Sol na mesma direcção e praticamente no mesmo plano. Esta configuração é uma forte evidência de que os planetas se formaram a partir de um disco de matéria em forma de panqueca. Da mesma forma, a maneira como vemos no céu a nossa galáxia indica que também ela tem a forma de disco. Estruturas discóides são comuns no Universo nas mais variadas escalas. Os anéis de Saturno são um exemplo elegante disso mesmo, mas não o único na nossa vizinhança; todos os planetas gigantes do nosso sistema os possuem. Também foram observados discos em torno de muitas estrelas jovens, denominados discos protoplanetários. No caso de algumas estrelas binárias, o gás que escapa de uma delas é capturado pela acção da gravidade da outra e forma um disco, e vai abrindo caminho para a superfície estelar numa espiral estreita que lembra um redemoinho. Acredita-se que estruturas como estas, chamadas de discos de acreção, também existam em torno de buracos negros supermaciços no centro das galáxias. A presença constante dos discos pelo Cosmos faz do seu funcionamento uma questão de grande interesse para a astrofísica.
Imagem: Saturno (www.ast.cam.ac.uk/public/planets/jpeg/sat/saturn.jpg)
Fonte: Sci-Am
Todas as coisas do Universo estão interligadas, mas as coisas parecidas estão mais estritamente ligadas que as outras. Não se pode esperar lógica convencional por parte de um louco, mas um louco conjuga facilmente as contradições esquizofrénicas de um outro. Os humanos têm a capacidade de adoptar, involuntária ou intencionalmente, a perspectiva subjectiva de outrem, colocando-se na sua pele e imaginando as experiências e sentimentos que esse alguém relata ou deixa transparecer. Contudo, e por exemplo, é muito mais agradável manter uma conversa com um interlocutor que se exprime de uma forma similar àquela que usamos, e que aborda assuntos que se adequam aos nossos interesses, do que com uma pessoa cuja forma de encarar a realidade é substancialmente diversa da nossa. Identificamo-nos facilmente com quem pensa como nós e afastamo-nos da diferença. Rodeamo-nos de pessoas que entendemos e que nos entendem; o nosso círculo de amigos alarga-se em função das similaridades.
Imagem: Coração Espelhado (http://fine-arts-international.com/images/coracaoespelhado.jpg)
A história migratória do Homem está ligada também ao seu estômago. Uma bactéria chamada Helicobacter Pylori, responsável por úlceras gástricas, está presente desde há muito no nosso sistema digestivo, e a sua história pode estar intimamente relacionada com a da humanidade. Graças a este micróbio, uma equipa internacional de geneticistas conseguiu datar uma das grandes etapas do Homo Sapiens. Os pesquisadores analisaram a linhagem do micro-organismo em cinquenta e um grupos étnicos repartidos pelo mundo inteiro e após terem estudado as suas diferenças genéticas, encontraram em todas estas estirpes uma origem geográfica comum: o Corno de África, no leste do continente considerado o berço da espécie humana. A expansão do tronco ancestral através de outros continentes terá começado há aproximadamente 58 milhares de anos, reflectindo a propagação da nossa espécie através de novos territórios, tal como imaginado no modelo designado "Saída de África". As rotas e cronologias desta grande diáspora não estão completamente esclarecidas, mas supoem-se que tenha ocorrido entre 50 e 70 mil anos atrás, em vagas sucessivas. Se a Helicobacter Pylori for um indicador fiável, pode ajudar a esclarecer algumas questões ainda obscuras.
Imagem: Helicobacter Pylori (www.bu.edu/bridge/archive/2004/04-02/photos/photonics.jpg)
Fontes: Science & Vie, BBC
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