
“Acordou a meio da noite, incapaz de conciliar o sono que o corpo pedia com a apreensão que teimava em insinuar-se a cada raciocínio, os pensamentos virando-se para estranhas especulações, uma aflitiva perturbação roubando-lhe a serenidade desejada, o esgotamento adensando-se, lodoso e negro. Abriu os olhos apenas para nada ver, a escuridão informe envolvendo-o num frio imaginário, o calor da noite estival negando-se a invadir-lhe o âmago gélido de espanto. Basto não lhe era o tempo, nenhum lugar se lhe afigurava adequado naquele limbo absurdo e caótico entre universos. Sentira-se capaz de atingir a mais absoluta das verdades, a solução última para as carências afigurara-se-lhe tão tangível quanto os pares de partículas em perpétua génese a partir do nada. E tudo se dissolvera num afastamento irremediável, como se um simulacro do efeito Casimir se tivesse insurgido contra esse contacto com a mais profunda e inextinguível das energias, o desencanto do descaminho abalando-o, a noção de insuprível falha fazendo-o sentir-se culposo. Cerrou as pálpebras, num deliberado esforço. A seu lado ela dormia, a cadência suave da sua respiração actuando como um soporífero, a placidez regressando paulatinamente até ao esquecimento das horas ausentes…”
V.A.D. em Ponto Zero