
“Havia ali qualquer coisa, uma vaga sensação de presença insinuando-se-lhe nas profundezas do subconsciente, um contorno desafiador materializando-se num quê tão indistinto quanto indizível, uma abstracta noção de perigo correndo-lhe espinha acima num involuntário eriçar de cabelos, a pele arrepiando-se num ligeiro tremor, os temores ancestrais vertendo-se em gotas de suor frio. Imobilizou-se. Um silêncio sepulcral, acentuado pelo fôlego contido, envolvia-o como um manto tão negro como a escuridão da cave bafienta onde ousara penetrar, e era quebrado apenas pelo pungente martelar descompassado do coração, o sangue carregado de adrenalina latejando nas artérias, a atenção a tudo o que se passava em seu redor redobrando-se numa desproporcionada tensão. Um vulto moveu-se, o raspar de garras no chão de pedra nua chegando-lhe ténue aos ouvidos, os seus olhos divisando o brilho amarelado e doentio de outros olhos, a entidade que invadira aquele lugar supostamente inexpugnável mirando-o num misto de escárnio e desafio. Num salto impossivelmente brusco, atirou-se à figura medonha que reconhecera de imediato, um grito animalesco rasgando-lhe a garganta pelo gume afiado do ódio transbordante. Detestava mortalmente aquele alter-ego…”
V.A.D. em Alter-ego
De
**** a 7 de Junho de 2008 às 23:35
"... uma abstracta noção de perigo correndo-lhe espinha acima num involuntário eriçar de cabelos..." - não fosse o título do texto e não suspeitaria até à última palavra qual a natureza desta presença que vais descrevendo. O texto está especialmente soturno e desperta com especial vigor os sentidos à medida que nos embrenhamos nos seus significados. Há uma agressividade excessivamente animalesca, um medo assustadoramente realista, uma atitude exageradamente instintiva que impressiona e fascina. Já havias falado dum "louco", dentro de "ti" (a personagem), mas esta surge-nos mais repulsiva, mas perversa, mais palpável num contexto que interpretei ( provavelmente erroneamente) como muito metafórico.
Surge um insdiscritível pânico quando não nos identificamos com algo que faz parte de nós mesmos, quando o espelho devolve no nosso olhar "o brilho amarelado e doentio de outros olhos"
"um grito animalesco rasgando-lhe a garganta pelo gume afiado do ódio transbordante" - pouco consigo dizer, meu amigo - está verdadeiramente arrebatador e deveras sublime
Beijos
e um noite na qual este "alter-ego" te dê descanso,
Sophia 
De
V.A.D. a 8 de Junho de 2008 às 23:20
De facto, amiga, só depois da publicação me apercebi que o título era excessivamente revelador, mas optei por não fazer quaisquer alterações...
O texto nasceu após a leitura de um artigo onde, entre outros, o tema da dissociação de personalidade era abordado. Embora a grande maioria das pessoas nem sequer pense neste assunto, a verdade é que todos nós apresentamos mais do que uma faceta, o ambiente que nos envolve determinando muitas vezes uma alteração de comportamento, as complexidades da mente revelando-se através de atitudes anormais e de sentimentos contraditórios.
Felizmente, amiga, este relato não passa de um exercício de escrita que, no entanto, pode ilustrar algumas situações concretas, em particular a de um indivíduo que conheço bastante bem e do qual sou amicíssimo. Pode dizer-se que lhe conheço algumas lutas intestinas e sei do esforço que faz para resistir ao negrume de algumas das suas facetas...
Fico contentíssimo por ter conseguido criar um escrito credível e com a capacidade de suscitar interesse... :-)
Agradecendo as tuas palavras, sempre cheias de gentileza, desejo-te uma óptima noite e uma excelente semana, amiga!
Um beijo e um enormeeeeeeeee sorriso... :-)
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