
“Permaneci algum tempo em total imobilidade, demasiado fatigado e entontecido, os meus olhos fixando-se nos olhos do interlocutor sem que os estivesse a ver, a minha mente mostrando-se incapaz de entender ou elaborar um raciocínio coerente, a privação do sono gerando um total alheamento em relação a tudo o que me rodeava. A espaços, sentia-me invadido por uma espécie de leveza delirante semelhante àquela que os estados febris costumam provocar, o som das palavras ouvidas parecendo esbarrar no meu corpo em vergastadas bruscas ou sedosas consoante o timbre das sílabas, uma absurda sinestesia submergindo-me ainda mais na estranheza de não saber o que fazia ali, um mal-estar latente apoderando-se de mim como um organismo gelatinoso e tentacular, tão repulsivo quanto um verme parasitário, verde e fedorento. E de súbito a emese, libertadora e dolorosa, arrancando-me o vazio às entranhas, as contracções involuntárias do corpo exaurindo as réstias de energia, o pânico mal dissimulado levando a um esgar de aflição… E o desfalecimento, inevitável e reparador, sobrevindo sem aviso, transformando-se num longo sono sem sonhos, numa completa ausência em parte alguma…”
V.A.D. em Tortura
De
**** a 28 de Maio de 2008 às 00:44
"... som das palavras ouvidas parecendo esbarrar no meu corpo em vergastadas bruscas ou sedosas consoante o timbre das sílabas..." - Há algo de muito vivido no texto, um realismo que quase arrepia, que leva quase a ter um sentimento de compaixão pelo torturado.
O fim está soberbo... é a forma mais aproximada que alguma vez li do que sinto do meu "sono sem sonhos" - "completa ausência em parte alguma", o mero saciar duma necessidade que se impõe, um negrume sereno pelo qual o corpo chama sem a paixão da ânsia.
Se bem que não seja a tortura de sono, fez-me recordar a tortura d' "O Poço e o Pêndulo" de Edgar Allan Poe. Não foi tanto o pânico deste outro torturado, a cadência hipnótica do pêndulo que oscila em cada parágrafo numa tortura mais psicológica que física, mas o início - "I was sick - sick unto death with that long agony; and when they at legth unbound me, and was permitted to sit, I felt that my senses were leaving me..."
Quanto à privação de sono deve ser uma tortura horrível, mas o mais irónico é que também acabei por perder horas de sono devido ao teu texto, visto que me peguei ao senhor Poe 
... se bem que a verdadeira tortura seja o momento em que tenho de fechar o livro
Beijos
e uma óptima noite... de sono,
Sophia
De
V.A.D. a 28 de Maio de 2008 às 02:47
A descrição que faço de algumas sensações resulta da simples amplificação de experiências que já vivi, questões profissionais impedindo-me de respeitar as necessidades de um organismo habituado ao relógio biológico imposto por um sem-número de gerações, a normal sucessão sono-vigília sendo interrompida até os raciocínios deixarem de ser coerentes, a fadiga vencendo finalmente a batalha num negrume feito de uma completa ausência...
Em condições normais, é usual sonhar e recordar-me daquilo que sonho... Nem sequer consigo conceber a hipótese de me ver privado desses momentos oníricos, em que o inconsciente se revela muitas vezes de forma surreal e completamente absurda...
Não conheço a obra que referes, mas sei da mestria de Poe... Procurarei o título, para que me possa maravilhar com a escrita, sempre fantástica... :-)
Permite-me que discorde: talvez não tenhas "perdido" horas de sono; "ganhaste" certamente alguns momentos de excelente leitura... :-)
Agradecendo as tuas palavras, amiga, também eu te desejo uma magnífica noite, seja ela passada ou não nos braços de Morpheu... :-)
Um beijo e um enormeeeeeeeeee sorriso... :-)
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