
“A nave ia derivando num voo curvilíneo e sem rumo aparente, os impulsores bocejando frios e silenciosos no vazio, os sistemas de suporte de vida mantendo os parâmetros necessários à protecção do solitário tripulante que jazia em animação suspensa no interior de um envoltório hermético. A sua pele desnuda achava-se pejada de sensores ligados à interface cibernética, o cérebro artificial gerindo os cada vez mais parcos recursos, numa maquinal obediência aos programas habilmente desenvolvidos séculos atrás. A cada trinta minutos, o músculo cardíaco pulsava para irrigar de sangue oxigenado os tecidos do corpo arrefecido, a necrose sendo adiada por mais um breve intervalo de um tempo que se escoava irremediavelmente por entre o total alheamento da mente destituída de sonhos, a inconsciência mantendo-o afastado da terrível incerteza do que havia por vir. Tinha procurado, em vão, sinais de que a sua espécie pudesse ter encontrado forma de resistir à catástrofe. Restara-lhe a esperança de que pelo menos alguns o tivessem feito, a estrela de classificação espectral G2V a que chamavam Nanahuatl sendo o objectivo provável, a existência confirmada de uma sistema planetário e os pouco mais de oito anos-luz de distância fazendo dela um destino promissor. Antes de cruzar a órbita de Lalande C, marcara na mesa de navegação a trajectória elíptica até ao bordo interno do braço de Orion; nove décadas iriam suceder-se como se apenas um mês viesse a decorrer, o envelhecimento não passando de um conceito falho de invariabilidade …”
V.A.D. em Tarde Demais
De
Emanuela a 13 de Maio de 2008 às 02:00
Imaginar-me sobrevivendo a todos os meus, sinceramente não é algo que me agrade muito, apesar da grande curiosidade de como seria neste caso. Noventa anos depois? Muito estranho!
Beijinhos
De
V.A.D. a 14 de Maio de 2008 às 02:13
Amiga, é longa a distância a percorrer, e fazê-lo em noventa anos significa apenas que a velocidade média da nave não excederia pouco mais de dez porcento da velocidade da luz... :-)
É sempre difícil imaginar a solidão que alguém sentiria, confrontado com uma situação assim, sobretudo quando não haviam certezas quanto ao rumo tomado por aqueles que eventualmente tivessem escapado ao cataclismo...
Desejo-te uma excelente noite, amiga!
Um beijo e um enormeeeeeeeeee sorriso... :-)
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