Nascença, a fragilidade do ser aconchegando-se no peito da progenitora, a dependência absoluta transformando-se paulatinamente na autonomia crescente dos anos que passam, plenos de novidade e prodígio, as descobertas sucedendo-se numa esfusiante cadência feita de brincadeiras e percepções, o mundo crescendo num permanente alargar de horizontes… Experimentação, as inúmeras possibilidades mostrando-se-lhe num caleidoscópio de simetrias multicolores e variáveis, a juventude avocando a natural irreverência de quem crê tudo poder... Emancipação, a dureza desafiadora das responsabilidades assumidas afigurando-se-lhe estimulante, as escolhas sendo feitas em impulsos, as emoções manifestando-se na indizível doçura de um amor consequente e prolífero… Domínio, o doce sabor do poder e dos feitos, a preciosa negação da insondabilidade dos mais profundos mistérios, a férrea vontade de caminhar no sentido da descoberta, a inacabada aprendizagem conferindo-lhe a convicção de pouco saber, o pouco que sabe parecendo-lhe insuficiente, a apressada procura de colmatar as lacunas fazendo-o sentir que o tempo escasseia… Decrepitude, a imponderabilidade das noções absurdas, a trémula incerteza do que há para vir, a irrealidade dos raciocínios impérvios assomando-se, estranha e incoerente, emaranhando a existência nos fios pegajosos da demência, ossos e músculos acusando o ónus das décadas… Decessa, nada mais que o vazio, a individualidade evolando-se em memórias que não passam de resíduos etéreos daquilo que fora, a identidade dissipando-se no irrevogável substrato do tempo, a espuma fantasmagórica da sua mente ficando somente registada nas palavras insistentemente grafadas em formato digital, até que o próprio suporte se desfaça…
Imagem: Mãos (www.europarl.europa.eu/eplive/expert/photo/20071107PHT12721/pict_20071107PHT12721.jpg )
De
Fisga a 7 de Maio de 2008 às 17:21
Amigo por ironia do destino o meu suporte está em acelerada corrida para a desintegração total, mas ainda deu para observar como faz a avaliação do percurso da vida, desde a nascença até ao ocaso, com todos os prós e contras pelo meio. Um abraço.
De
V.A.D. a 8 de Maio de 2008 às 01:50
Amigo, que o seu suporte possa resistir por muitos e agradáveis anos, antes da decessa que todos temos como inevitável!
É sintética, esta avaliação... Tentei fazê-la assim, pois o tempo passa por nós, numa correria desenfreada, a nossa existência manifestando-se tão curta como o texto...
Obrigado, amigo. Desejo-lhe uma magnífica noite!
Um abraço.
De
Fisga a 8 de Maio de 2008 às 10:17
Amigo. Não é a morte que me assusta, o que me assusta é o antes, a degradação daquele instrumento que nos serve de manual para a nossa conduta em sociedade e até com nós próprios. Um forte abraço e um bom dia em paz de espírito.
De
V.A.D. a 10 de Maio de 2008 às 01:51
Entendo perfeitamente esse temor que refere. Queremos viver em lucidez todas as horas da nossa existência, até que o inevitável fim se anuncie...
Sei que o envelhecimento do corpo não tem necessariamente de conduzir a um envelhecimento do espírito. Conheço algumas provas vivas disso mesmo... :-)
Votos de uma óptima noite e de um excelente fim-de-semana!
Um grande abraço!
De
Emanuela a 7 de Maio de 2008 às 21:42
Amigo, constantemente meu pensamento me leva a esta pergunta: _ que história eu vim fazer? O que deixarei quando me for? Por quanto tempo serei lembrada, pelo pouco que fui? Creio ser esta, uma pergunta que todo ser humano com um mínimo de inteligência e discernimento se faça a partir de uma determinada idade. E quanto mais o tempo passar, mais a urgência e a vontade de permanecer de alguma forma.
És bonito Vad. Bonito por dentro. E certamente deves muito disto a uma grande dose de amor e de liberdade que pareces ter recebido dos teus pais. É bonito perceber esta análise tranqüila que podes fazer da tua vida, do teu amor, das tuas descobertas. Pareces estar no caminho certo. Só não faz como Santo Agostinho, aquele grande santo que achou que poderia resolver os mistérios do mundo na sua cabeça. Devemos buscar respostas, mas saber que: “há mais coisas entre o céu e a terra, do que a nossa vã filosofia (ou mesmo a ciência) jamais poderá explicar...” Mesmo que não acredites, em determinado momento vais sentir esta verdade em ti e aceitá-la. Um beijinho, amigo. Desculpe se tiver falado asneiras...
De
V.A.D. a 8 de Maio de 2008 às 02:23
Assim é, amiga! Creio que todos, a dada altura da vida, colocam essas velhas questões existenciais a si próprios, buscando as respostas que sempre se revelam elusivas e nada definitivas...
E há essa urgência, essa sensação de que o tempo é demasiado limitado, a vontade de permanecer tornando-se mais e mais premente, à medida que os anos passam... Aliás, nem é tanto a vontade de permanecer; é mais o desejo de deixar algo que reflicta aquilo que foi o "meu entendimento das coisas", um entendimento certamente cheio de falhas, de lacunas, mas que é muito próprio, independentemente do valor que possa ter para os outros...
Obrigado, amiga... Tenho consciência das minhas muitas imperfeições, mas procuro corrigi-las, sem que sempre atinja esse objectivo. Devo muito do que sou à humildade honrada que sempre me foi transmitida como valor principal numa vida que, sendo curta, pode ser feita de momentos de plenitude.
Sabes que a minha visão do mundo é estritamente ligada à natureza e às leis que a regem. Sou completamente céptico em relação a tudo aquilo que se costuma chamar de "sobrenatural". Creio que a ciência, baseando-se na experimentação e na linguagem do Universo (a matemática), tem um poder superior ao da filosofia e da teologia e conseguirá, dando-se-lhe tempo, explicar tudo aquilo que hoje é considerado de difícil explicação. É esta a minha "fé"... :-)
Contudo, a existência não é feita só de certezas. Há que sentir, há que deixar que as emoções fluam... :-)
Não tens de pedir desculpa por nada; exprimiste apenas a tua forma de ver as coisas. Posso não a partilhar, mas respeito-a... :-)
Desejo-te uma magnífica noite, amiga!
Um beijo e um enormeeeeeeeeee sorriso... :-)
De
Pérola a 8 de Maio de 2008 às 22:18
Amigo, este teu post está fantástico, parabéns. :)
Descreve tão bem a nossa passagem pela vida, tão curta por um lado, tão longa por outro.
No meu estágio trabalhei com idosos, e fez-me muita confusão as mágoas e rancores que guardam dentro deles, por terem deixado passar a vida, e agora já nada fazerem por ela.
É por isso que acho tão importante vivermos cada dia, sabes. Lutarmos pela vida. Mesmo que não consigamos chegar a lugar nenhum, pelo menos no fim diremos que não foi por não tentar.
Um beijo muito grande e uma noite feliz para ti, meu amigo.
De
V.A.D. a 10 de Maio de 2008 às 02:02
Obrigado, amiga :-) O texto é uma mera tentativa de sintetizar aquilo que é a nossa curta existência.
Felizmente, nem todos os idosos se sentem magoados consigo próprios e com a vida; alguns souberam extrair da vida o melhor que ela tinha para dar e aceitam que o próprio declínio das suas capacidades é algo de natural.
Subscrevo na íntegra o que referiste: não nos devemos deixar adormecer... :-)
Desejo-te uma óptima noite e um magnífico fim-de-semana!
Um beijo e um enormeeeeeeeeeeee sorriso... :-)
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