“O vento assobiava, incansável, o beirado com as suas saliências e reentrâncias fazendo vibrar o ar em movimento, os pequenos e invisíveis vórtices produzindo aquele som agoirento que antecipava a noite tempestuosa. A casa estava confortavelmente aquecida; a lenha, crepitando na lareira, ia-se desfazendo na quentura que enchia de placidez o ambiente, numa contradição artificiosa da natureza climática e do frio que instalara no seu âmago, o abismo negro da solidão envolvendo-o como se não mais pudesse regressar à companhia dela. Pousou o livro que não conseguia ler, as letras iludindo-o no tremeluzir das lágrimas que lhe inundavam os olhos, acendeu mais um cigarro e fixou-se no vazio que se lhe entranhava por todos os poros, num vão tentame de o desmentir.
Despertou subitamente, a frescura da água salgada caindo em pingos grossos sobre o corpo, o riso malicioso e brincalhão entrando-lhe pelos ouvidos adentro, as pálpebras semicerradas filtrando a intensidade do sol e ainda assim autorizando que o rosto dela se formasse na retina, a imagem dos cabelos húmidos e dos olhos sorridentes devolvendo-o à maravilha daquele dia de praia.
– Estavas a dormir?
Apercebendo-se do calor que sentia e do logro em que a sua mente o havia induzido, respondeu-lhe, antecipando o toque macio e refrescante da pele molhada de encontro à sua.
– Estava a ter um pesadelo. Deita-te, encosta-te a mim…!”
V.A.D. em Encosta-te a mim…!
Vídeo: Encosta-te a mim (Jorge Palma) (www.youtube.com/watch?v=Tu9HPz__3ys)
De
**** a 7 de Abril de 2008 às 18:17
"Apercebendo-se do calor que sentia e do logro em que a sua mente o havia induzido" - Pessoalmente, acho que hoje se trocou o sonho e a realidade, sme qualquer prejuízo da fluência do texto. Como sempre maravilhoso e particularmente cheio de sensações
Dum estado depressivo, do "frio que instalara no seu âmago, o abismo negro da solidão" passa-se para um estado em que "pálpebras semicerradas filtrando a intensidade do sol" o torna mais sumamente descrito, mas mais vivido.
É melhor termos pesadelos e sermos confortados por o real, do que confiarmos nos sonhos para nos aquecerem. Se bem que seja sempre melhor termos esses do que nada...
Em todo é caso o pedido "encosta-te a mim" não precisa de qualquer pretexto e a sua satisfação basta para nos alegrar mais que a "maravilha daquele dia de praia".
"enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada / vai beijar o homem-bomba, quero adormecer." - Realmente os nossos gostos músicais não são assim tão divergentes
Uma voz fantástica há tanto tempo mal ouvida, uma letra tocante, uma melodia calma, uma interpretação simplesmente linda... só me continua a quebrar a harmonia vê-lo sentado ao piano enquanto toca e canta, num estilo inconfundível e estranho.
Muitos Beijos
e uma noite bem quente, mesmo com este tempo
Sophia 
De
V.A.D. a 9 de Abril de 2008 às 02:18
Realmente, a segunda-feira, data da publicação do texto, foi tudo menos um dia propício a praia e sol... No entanto, pode transportar-nos a dias assim, em verões imaginários ou reais, sonhados ou verdadeiramente vividos. Tento, sobretudo, retratar essas peculiares transições de humor, os momentos de cinzenta melancolia transformando-se nas cores quentes que a presença de alguém é capaz de irradiar.
Penso, muitas vezes, que só podemos dar o verdadeiro valor ao contentamento depois de experimentarmos a tristeza, mesmo que esta resulte da negrura de um pesadelo... :-)
Ehehehe, subscrevo: há coisas que não precisam mesmo de pretextos...!
Gosto de ouvir Jorge Palma e creio que há temas que são intrinsecamente bons, de tal forma que nossos gostos musicais não podem divergir tanto quanto o "fosso geracional" poderia fazer supor, ehehehehe :-)
Obrigado, amiga. Também eu te desejo uma noite magnífica, e um dia de amanhã cheio de sol!
Um grande beijo e um enormeeeeeeee sorriso... :-)
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