Quinta-feira, 3 de Abril de 2008

Antiquitera (XIII)

“Calo-me. Fica só o som do pausado bater do coração e o enérgico palrar das aves que anuncia o entardecer. O sol já ia baixo, a oeste, iluminando agora o banco. Ambos havíamos viajado por horas pelo meu passado – mais longe do que Hiparco alguma vez teria sonhado ir, mais longe do que eu pensaria vir a levar alguém. Contara-lhe que no Ragnarok me haviam afastado do meu povo, expulso duma terra que habitava há tanto que poderiam chamar sua, que havia sido a guardiã do saber de gerações, tão almejado pelos invasores, e que me haviam deixado somente um anel com inscrições sobre um alinhamento planetário, uma pista para um resgate que perdera importância à medida que a construção do mecanismo que o permitiria singrava. Ele dá-me um beijo terno e devolve-me o Astrolábio, pedindo num sussurro novamente quente que o ensine a olhar as estrelas.

Findara a tarefa que nos juntara, mas nascera algo mais…”

Sophia  

 

 

“O cronógrafo, em contagem regressiva, registava quarenta e oito unidades de tempo até à abertura do portal, o buraco de verme ainda impenetrável apresentando-se sinalizado por dois imensos radiofaróis, a energia sendo extraída de Musphelheim que brilhava, inexaurível e amarela, seis minutos-luz para lá do gigantesco planeta gasoso, fonte inesgotável de lendas, terra dos gigantes que na antiguidade haviam atemorizado as criancinhas pelas histórias contadas nas noites escuras. Antes de se concentrar na miríade de ponteiros e luzes, pejando o painel do carro espacial, Wotan lançou um derradeiro olhar ao seu mundo natal, o negrume do espaço descontinuado pelo azul da enorme lua a que chamavam de Asgard, berço e morada dos seus. De súbito, a viagem ocorreu, o alinhamento planetário num sistema distante somando a gravitação até que o atalho se desfechasse, o tempo e o espaço desfazendo-se numa singularidade, os parsecs diluindo-se num grânulo sem grandeza aparente, a Terra aparecendo diante de si, tão azul e bela quanto sua por acolhimento.

A noite descera, havia pouco. A Lua, cheia de fulgor, emitia uma claridade fantasmagórica sobre os montes e os vales onde as sombras se escondiam, a povoação outrora resplendorosa aninhando-se no sopé da montanha onde a fortaleza se arruinara. Segurava a sua lança como um bordão, a face sombreada pelo chapéu de aba larga que lhe não escondia o cabelo cinzento nem o brilho do olhar. Abriu a porta num rompante. Os rostos denotaram primeiro surpresa, depois uma profunda reverência. A sua voz soou, cavada e penetrante, quando quis saber se Freyja se encontrava ali, na que fora a casa de Vanir. Disseram-lhe que não; ofereceram-lhe guarida… Wotan, o Viandante, também chamado de Odin, estava de novo entre os mortais e assim permaneceu por mais duas noites e dois dias, esperando em vão por aquela que talvez tivesse finalmente encontrado Odur… Teve de partir, o alinhamento prestes a desfazer-se contando-lhe os minutos. Um mensageiro chegou, o cavalo esgotado pela urgência, um papiro dizendo-lhe que Freyja estaria no Egipto, quando uma nova conjunção se concretizasse…”

V.A.D.

 

V.A.D. e Sophia em Antiquitera

Imagem: Jardim

 

“Shows me colours when there's none to see
Gives me hope when I can't believe
That for the first time
I feel love”

música: The First Time (U2)

publicado por V.A.D. às 15:00
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6 comentários:
De Cöllyßry a 3 de Abril de 2008 às 20:36
Doce amigo...Já não é novidade que...faltam as palavras para comentar...Li com a devida atênção que merece...e vou ainda a saborear esta viagem...

Doce meu beijo


De V.A.D. a 4 de Abril de 2008 às 14:10
Amiga, embora as palavras possam não ser abundantes, é sempre com imenso agrado que constato a tua presença por aqui, neste espaço.

Fico contente e agradeço-te, em meu nome e no da Sophia, a tua amável visita.

Desejo-te um excelente dia!

Um beijo e um enormeeeeeeeeeee sorriso... :-)


De Perola a 3 de Abril de 2008 às 21:25
"ambos havíamos viajado por horas pelo meu passado"

Acho muito bonito podermos viajar no nosso passado e no das outras pessoas, sem que neles restem mágoas ou dores, tudo sendo um livro aberto :)

Adorei, meu amigo.

Um enorme beijinho.


De V.A.D. a 4 de Abril de 2008 às 14:13
De facto, amiga, não há nada que se compare à transparência. Só assim as coisas funcionam, só assim uma qualquer relação pode frutificar.

Agradeço, em meu nome e no da Sophia, as tuas amáveis palavras.

Desejo-te um magnífico dia!

Um beijo e um enormeeeeeeeeee sorriso... :-)


De Emanuela a 5 de Abril de 2008 às 02:21
Oi VAD. Ontem acabei por não poder comentar aqui o que julguei ser o final da história( probleminhas de compartilhar um só pc...). Fiz uma releitura atenta dela para apreciar e até pesquisar a respeito( senão fica difícil entender a parte cultural). Conhecendo melhor os cenários, ela se torna ainda mais bonita. E como disse no blog da Sophia, fiquei impressionada com a força da escrita dela( a tua já conhecia bem). Estào os dois de parabéns pelo trabalho que sem dúvida deve ter sido trabalhoso, mas valeu a pena.
E agora, deixa-me ler o epílogo.
Um beijinho.


De V.A.D. a 6 de Abril de 2008 às 01:23
Olá, amiga. Era suposto o desfecho ter acontecido ao capítulo XIII, mas acabámos por nos alongar na escrita, o que levou a criarmos um epílogo e, consequentemente, mais um post.
Reconheço que o conto implicou algum trabalho de pesquisa, até porque, embora gostando muito, não tenho qualquer formação na área de História. No entanto, e acima de tudo, representou um enorme prazer. A Sophia é uma jovem a todos os títulos notável: para além da qualidade e força da sua escrita, revelou-se uma excelente parceira, atenta e muito interventiva, e alguém com quem é muito fácil trabalhar.

Agradeço a tua gentileza, amiga. As palavras, que nos sabes sempre escrever e que te agradeço, representam um enorme incentivo.

Desejo-te uma excelente noite e um magnífico domingo!

Um beijo e um enormeeeeeeee sorriso... :-)


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