Sexta-feira, 28 de Novembro de 2008

Ergosfera (V)

“Arranco violentamente as conexões neurais que me aliam à I.A., os eléctrodos ligados ao transceptor de arsieneto de gálio implantado na nuca ficando irremediavelmente danificados, uma definitiva cessação das esparsas e inconsequentes comunicações parecendo-me a melhor forma de readquirir o domínio completo de mim próprio e da cápsula que me ampara. Revejo mentalmente o plano que decorre das conclusões matematicamente encontradas, reassumo o lugar de piloto que me pertence por direito e traço o rumo no ecrã táctil. Incontáveis qubits flúem do computador de navegação para cada um dos processadores quânticos associados aos inúmeros propulsores direccionais. Lenta mas inexoravelmente, o veículo alinha-se no sentido de rotação da ergosfera, o motor de antimatéria levado nessa altura à potência máxima em escassos vinte e três nanossegundos, um impulso milhares de vezes superior à massa da nave sendo desenvolvido quase instantaneamente. Parece paradoxal, eu sei, mas neste preciso momento atravesso a linha temporal no sentido antagónico ao percorrido por incontáveis googois de seres viventes…”
V.A.D. em Ergosfera
Vídeo: Time (Pink Floyd) (http://www.youtube.com/watch?v=nSLqbl2Xshs)

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Segunda-feira, 24 de Novembro de 2008

Ergosfera (IV)

“Durante aqueles revoltos dias subsequentes, senti inúmeras vezes o perfume acidulado da velha Dama da Gadanha, aquela que anda de mão dada com o Tempo desde os primórdios da vida. Quis inalá-lo, quis tornar-me poalha inerte, quis regressar à quietude desapossada da não existência; talvez assim as cordas de mim mesmo se reintegrassem serenamente na grande sinfonia universal… Depois instalou-se um entorpecimento resignado, pútrido vómito daquilo que fui (e que hei-de voltar a ser, não sei quando nem como), a alma peganhenta escorrendo, viscosa, para uma poça de letargo. E sobreveio uma pirexia avassaladora, o corpo cedendo por fim ao cansaço dos longos dias de uma vigília inquieta, o sono decrescentemente delirante aliando-se à mente para que a lucidez fosse recuperada. Busquei o equilíbrio extraviado por entre as memórias pretéritas e as perspectivas futuras, tentando abstrair-me do presente através de uma intensa pesquisa na vasta base de dados da cápsula, regressei aos cálculos num esforço solitário, desistindo de conferenciar com a I.A. cuja conduta se assemelha a uma obstinada e contraditória teimosia. Por fim, num lampejo fortuito, é-me desvelada a forma de escapar ao aprisionamento neste lugar ermo e ultrajante, numa fórmula tão inusitadamente simples quanto fascinantemente eficaz…”

V.A.D. em Ergosfera
Vídeo: Comfortably Numb (Pink Floyd) (http://www.youtube.com/watch?v=_vOfrlpUhRY)

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Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008

Ergosfera (III)

“O calendário diz-me que treze dias terrestres estão transcorridos e, contudo, a realidade apresenta-se obstinadamente discordante. O Tempo imobilizou-se num emaranhado de sentimentos antinómicos, o humor alternando entre a resignação apática e uma irascibilidade quase violenta, os raros momentos de serenidade sendo aproveitados em cômputos cujos resultados me parecem cada vez mais inverosímeis. A insónia tem-me atormentado sobremaneira, a mente ressentida da privação do repouso parecendo recusar-me a profundidade de reflexão tão necessária à superação da crise em que me vejo envolvido. Erro de trajectória ou insólita deformação do espaço-tempo, defeito nos sistemas de orientação ou incúria da I.A. na efectivação das imprescindíveis correcções para conservar a nave no plano de voo antecipadamente estabelecido? Talvez tenha sido uma conjugação de factores adversos e de circunstâncias invulgares a trair as expectativas, provavelmente elas próprias excessivas, a ousadia de acreditar em futuros risonhos fazendo-se pagar bem cara com decepcionantes reveses… E agora, um indeclinável conflito intestino agiganta-se por entre os meatos quase vegetativos da entidade em que me tenho vindo a tornar, ameaçando rasgar o que resta da inteireza…”

V.A.D. em Ergosfera
Imagem: Perímetro da Ergosfera

publicado por V.A.D. às 03:00
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Sexta-feira, 14 de Novembro de 2008

Ergosfera (II)

“Tremem-me as mãos, no meu semblante reconhecem-se esgares de um pânico que me esforço por controlar, o nó na garganta teimando em se não desfazer apesar de perceber agora o exótico lugar onde me vejo aprisionado, a dor instalada atrás dos globos oculares aturdindo-me, tolhendo-me numa apatia pestilenta que preciso de sacudir. Purgatório dantesco ou limbo kafkiano, este espaço em contínua revolução e desprovido de tempo desafia a loucura e corrói a sanidade, a singularidade para lá do horizonte de eventos parecendo rir-se sarcasticamente da imaturidade de quem queria a eternidade e agora não sabe o que lhe fazer. A própria I.A. demitiu-se da congruência que lhe era característica, num revérbero da consciência de que sei não ser despojada. Acha-se inábil para inverter a situação, diz-se incapaz de gerir competentemente as exigências a que se diz submetida, as contradições balbuciadas incrementando-me as dúvidas acerca da minha viabilidade enquanto ser equilibrado. Afinal, não reside nas minhas mãos o controlo efectivo do meu destino: na ergosfera o espaço-tempo é arrastado pelo campo gravitacional do buraco negro rotativo, a distorção assumindo contornos difíceis de analisar por um desprezível mortal…”
V.A.D. em Ergosfera
Imagem: Ergosfera (http://www.miqel.com/images_1/visionary_art/accretion-disk-black-white-.jpg )

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Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008

Ergosfera (I)

“Os meus olhos vagueiam pelos campos cósmicos desprovidos de estrelas, um frio glacial enregelando-me o sangue, um pavor desmesurado dementando-me o raciocínio e incapacitando-me de assimilar a magnitude do que me havia sucedido. Demoro-me pelas amplidões sombrias de um nada aparentemente dominado pela mais absoluta entropia, exilado do meu próprio Universo por forças muito para além da compreensão, perdido num referencial descaracterizado e isotrópico. Das profundezas da mente vai emergindo a indubitável e tenebrosa sensação de que não há por onde fugir, a cápsula que me sustenta mal suportando o esforço de manter operativos os sistemas, os mostradores piscando em alarmantes vermelhos e amarelos e a escuridão completa do exterior contribuindo para a absoluta desorientação em que me vou naufragando. Respiro fundo, perseguindo a serenidade que se me afigura esquiva, faço por ordenar os pensamentos e peço à I.A. que me elucide. Revela-se parca em palavras, o profuso fluxo de dados provenientes dos sensores ocupando-a talvez em demasia para valorizar a pertinência das minhas questões…”
V.A.D. em Ergosfera
Imagem: Órbita (http://demonstrations.wolfram.com/OrbitsAroundASpinningBlackHole/HTMLImages/index.en/popup_2.jpg)

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Sexta-feira, 1 de Junho de 2007

Tempo

Pela visão clássica ou do senso comum, o tempo corre como um rio constante, alheio às nossas actividades e indiferente aos nossos desejos. É também verdade que a nossa percepção do tempo é subjectiva e varia, não apenas de pessoa para pessoa, mas também para o mesmo indivíduo, de acordo com aquilo que ele está a fazer: “o tempo voa quando nos estamos a divertir”. No entanto, a maioria das pessoas concordaria quanto à existência de uma indiscutível, absoluta e objectiva realidade, na qual o tempo flui inexoravelmente para a frente. Qualquer menção de que esse fluxo possa ser acelerado, retardado ou alterado de alguma forma soa como pura fantasia. Contudo, hoje os cientistas falam sobre um tempo elástico que pode ser tanto comprimido quanto esticado. Com a maior das naturalidades, eles teorizam sobre lugares exóticos onde o tempo se mantém parado ou até cessa de existir e em publicações científicas pode-se ler sobre não menos estranhas partículas subatómicas que viajam recuando no tempo. Algumas experiências têm vindo a confirmar estas teorias, provando que realidade é mais extraordinária do que alguma vez poderíamos supor…

Imagem: Ampulheta (http://i41.photobucket.com/albums/e295/petre_andrei/44.jpg)

música: As Time Goes By (Louis Armstrong)

publicado por V.A.D. às 02:26
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Domingo, 8 de Abril de 2007

Realidade

É frequente usar o termo realidade para definir as minhas convicções em relação ao mundo físico e sensorial, de que sou parte integrante e interventiva. Dependo dos sentidos como fonte de informação, e da mente como integradora dos dados que, durante a vigília, lhe são fornecidos em catadupa. A minha realidade é a minha verdade que, muitas vezes maculada por pequenas inconveniências perceptivas, raciocínios incorrectos  e preferências mesquinhas, é exclusiva e está longe de ser absoluta. Aquilo que para mim é, pode não ser para outrem. A subjectividade das interpretações reflectirá a subjectividade do próprio universo, ou é a imperfeição dos sentidos que deturpa a realidade, amplificando as diferenças entre o que existe e o que apreendo? O meu intelecto selecciona e sintetiza meros fragmentos de tudo quanto me rodeia, sendo incapaz de absorver todos os ínfimos pormenores, impedindo por isso a minha verdade de ser mais do que um puzzle incompleto, construído peça a peça, segundo um plano inexistente. É como um castelo de areia que uma criança ou um escultor insano vai erguendo; em perpétua mudança, pela acção das ondas e pela mão do construtor.

Imagem: Castelo de Areia (www.neosurrealismart.com/3d-artist-gallery/3d-artworks/3d-fantasy-art/273d-art-sandcastleB.jpg)

música: This World (Zero Seven)

publicado por V.A.D. às 23:57
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