Regozijo-me com coisas pequenas: três gatinhos num velho palheiro trouxeram-me à mente a recordação. Embora ainda não fosse verão, o dia estava quente e soalheiro, viam-se andorinhas às dezenas. Foi no pátio da velha morada, em frente à adega secular, que vi a gata, miando de dores. A minha avó tratava das flores, quando a resolveu ajudar. Pegou nela, desceu a escada. Ardendo de curiosidade, segui-as; queria ver… Deitada na palha macia, tendo-nos por companhia, a gata parecia gemer, talvez de esforço ou ansiedade. Vi a maravilha da vida nascer de dentro dela. Fiquei assim, assombrado, quieto, mudo, atordoado… A natureza é de facto bela; precisa apenas de ser entendida. Hoje, repetiu-se a magia. Três gatinhos, o mesmo local. Voltei a ser criança…! Levado por uma lembrança, revivi um momento especial. Enchi-me de uma imensa alegria…!
Imagem: Gatinho, hoje
A Maluca Responsável, sempre gentil, resolveu oferecer-me um presente, que ela afirma envenenado mas que a mim me sabe doce, e que consiste em pegar nos últimos dez títulos dos meus textos e escrever algo de coerente – ou não – em prosa, sob a forma de poema… O que interessa realmente é fazer a imaginação funcionar. O resultado é este:
“Eram dezassete horas em Portugal, a tarde sufocante de calor igual a tantas outras, a vida transcorrendo na cadência desacertada de um fluir inconstante mas satisfatório, o sonho surreal da noite de magias sendo protelado num arrastar de minutos que insinuavam horas. Ansiava a partida não menos que almejava a chegada, o lugar onde o reencontro, contendo a promessa de eflúvios suores, era artefacto de maravilha idealizada, fábrica das histórias de paixões profanas. Suspender-se-ia temporariamente a procura, a existência condensando-se numa breve história de tudo, traduzir-se-ia numa voluptuosa catarse, pois que a manifestação de um amor incontido reduz o tempo a uma singularidade na qual nada tem significado…”
Cabe-me agora entregar um presente similar a cinco pessoas, para que o desembrulhem…
A pressa de viver, a pressa de chegar, a pressa de fazer, a pressa de ter... A pressa, uma das características da vida actual, contagia-nos a todos. Não temos tempo nem para apreciar a paisagens da vida que passam por nós; escapam-se-nos os detalhes e se pararmos para pensar vemos que é nos detalhes mais ínfimos que reside a beleza e a maravilha de viver. Queremos tudo agora, ansiamos pela realização imediata, tanto das nossas aspirações legítimas quanto dos nossos sonhos impossíveis. Vivemos apressadamente insatisfeitos. O tempo é um fluxo inexorável e constante, feito de passado, presente e futuro. O presente é um momento que, embora fugaz, pode ser apreciado através das pequenas coisas feitas sem tempo. Não tenhamos ilusões: o futuro, essa terra incognita , esse lugar oculto, vem aí, e quando ele chega o presente torna-se passado, e os actos condensam-se em memórias, efectivas ou ilusórias... "O meu passado é tudo quanto não consegui ser", escreveu Fernando Pessoa, e será mesmo assim, se fizermos do presente um terreno árido, erodido pelos ventos catabáticos da pressa.
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