Terça-feira, 23 de Outubro de 2007

Naufrágio (III)

Exultação. Uma vaga de alegria, ampla e possante, abate-se de imediato sobre todo o meu ser, deixando-me esmagado pela jubilosa perspectiva de não vir a fenecer ingloriamente, devido a um acidente arbitrário e cruel. Redescubro, neste instante, a vontade de viver e os olhos enchem-se-me de lágrimas. Sinto-me tentado a agradecer a um deus em quem não acredito, o aparente milagre que está a ser operado. Acção. Recupero a lucidez e apercebo-me de que é forçoso fazer-me notar. Procuro freneticamente, por entre parco equipamento disponível, algo que possa assinalar a minha presença no interior da nave sem energia, onde só os sistemas de suporte da vida continuam operacionais. O apontador laser deve servir! Aproximo-me da escotilha e faço o dispositivo piscar intermitentemente, o foco dirigido para aquele veículo onde reside a esperança. Interrogação. Agora, mais calmo, vejo nascer na minha mente diversas questões para as quais não consigo entrever respostas: quem serão? Serão hostis? Reconhecer-me-ão como um ser inteligente? Por entre as incontáveis estrelas de um Universo ilimitado, quem sabe que formas de vida terão nascido…”

V.A.D. em Naufrágio.

Imagem: Feixe de Laser (www.sunbeamtech.com/PRODUCTS/images/laser_beam_led_r_550.jpg)

música: Too Sick To Pray (Alabama 3)

publicado por V.A.D. às 02:05
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Segunda-feira, 15 de Outubro de 2007

Naufrágio (II)

Inacção. Quero exilar-me num lugar vazio de pensamentos, onde possa encontrar o letargo total de mim mesmo, onde as incertezas do futuro sejam enterradas sob os escombros poeirentos do esquecimento. Afundo-me, uma vez mais, num estúpido sono que desejo permanente… Acordo, subitamente alertado por algo que sei instintivamente não ser normal e abro os olhos. Confusão. Reajo com desagrado à luz forte que incide sobre a minha face e, num acto reflexo, viro-a para o lado, enquanto volto a fechar as pálpebras. A ardência de mil agulhas a espetarem-se-me na mente desvanece-se de imediato mas, com o regresso da consciência, é substituída por algo muito mais profundo e dilacerante. Sei-me perdido nos áridos vórtices do espaço-tempo e vejo-me sufocado na minha excessiva solidão. Que raio será aquela luz? Estarei a delirar, ou a meio de algum sonho que, de tão promissor, se faz torturante? Decisão. Enfrento o intenso fulgor, comparável ao do sol; os párpados semi-cerrados, num trejeito grotesco, evitam a cegueira. Através da ampla escotilha, distingo a fonte daquele enorme caudal de fotões, encastoada numa estrutura negra e imensa, estranhamente familiar de tão obviamente artificial…”

V.A.D. em Naufrágio.

Imagem: Feixe Luminoso (original em http://www.dansdata.com/images/xlights/beam280.jpg)

música: Strangers In The Night (Frank Sinatra)

publicado por V.A.D. às 01:39
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Sábado, 13 de Outubro de 2007

Naufrágio (I)

Constatação. Olho à minha volta, e vejo o infinito em todas as direcções. Ou talvez a infinitude seja uma mera ilusão. Não tenho a certeza, ninguém a tem. Poderá algo finito ser ilimitado? Naufraguei a meio das planuras cósmicas, e nem a clareza das ideias sobreviveu ao violento abalo. Não há botes salva-vidas, nem foguetes tonitruantes. Vejo-me só, destituído de confiança, infecto de negros temores, a racionalidade cedendo lentamente, vergando-se ao imensurável peso dos inóspitos parsecs, inanes e gélidos como só o vácuo dos abismos pode ser. Perturbação. Maldita coisa, esta que me aconteceu! Apetece-me chorar de raiva, mas não sei contra quem me rebelar. Palavras espumadas e vociferadas escorrem da minha boca como fel sulfuroso e corrosivo, enquanto a fúria que me queima por dentro é descarregada nas paredes daquela ilha minúscula e derivante. Resignação. Devagarinho, as energias esvaem-se e uma letargia pardacenta e fosca apossa-se das fibras vacilantes de mim. Nada vale a pena; nem a violenta vontade de destruir o último refúgio. Não há ânimo nem forças. Imobilizo-me e fecho os olhos, incapaz de suportar a visão do nada, penetrando a janela de plexiglass. Solução. Dormi um sono isento de imagens e de sons. Vivo aquela calma agoirenta e silenciosa dos condenados. Nada me resta, a não ser esperar calmamente o fim, preenchendo o vazio conforme puder…”

V.A.D. em Naufrágio.

Imagem: Preenchendo o Vazio (www.authorsden.com/adstorage/13724/void.jpg)

música: Enjoy The Silence (Depeche Mode)

publicado por V.A.D. às 03:21
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