“Trazia neles negrume da noite, os olhos postos num ponto quimérico insinuando a melancolia dos crepúsculos cinzentos e o silêncio lacrimoso da desafortunada existência. O cabelo caía-lhe pelos ombros, uma anarquia desordenada de filamentos de azeviche ondulando ao sabor do vento catabático que soprava de norte, as costas voltadas ao sol numa obstinada recusa de quentura, a pedra onde se sentava fortalecendo a frialdade do Inverno tardio e persistente. Ausente num alhures diviso, a mente apartada esquecera-se do corpo dessensibilizado pelos sentidos desliados, a mágoa de algum indeclinável desencanto arrojando-a num precipício contrário à razão. Tocou-a ao de leve com a suavidade de um sussurro, o aveludado das palavras brotando dos seus lábios como uma carícia, a lhaneza de um olá arrebatando-a à catalepsia em que parecia estar deliberadamente mergulhada, o pestanejar redobrado denunciando o regresso à inteligível realidade, uma abrupta negação do abismo trazendo um sorriso embaçado. Respondeu-lhe com a firmeza espontânea de um olá, ele sentando-se junto a ela, ambos olhando a espuma branca que o vento arrancava às ondas…”
V.A.D. em Precipício
Vídeo: Edge Hill (Groove Armada) (www.youtube.com/watch?v=HEAhRhjtK58)
A Ki havia lançado um repto, que consistia em escolher uma das canções preferidas e falar sobre ela, seja em poesia ou em prosa ou mesmo numa breve apreciação do que esse tema transmite. Subverti a resposta ao desafio, simplesmente porque me apeteceu, e achei que devia tecer algumas considerações sobre o meu entendimento da música, arte universalmente amada e singularmente poderosa, que continua a representar um fenómeno intrigante. É talvez uma das formas de expressão mais antigas da humanidade e nasceu com a fala de uma característica inata, a propensão para produzir sons em associação com formas visuais específicas. Aquilo que começou como uma mera vocalização de expressões corporais face a perigos, ou como a exteriorização do contentamento através da sonoridade de uma gargalhada, transmutou-se pela sincenesia, a complexidade crescente dos fonemas criando um vocabulário cada vez mais elaborado, a linguagem permitindo a comunicação racional. E à música foi deixada a parte da emoção… É por isso que "mexe" tanto connosco...
A escolha da canção não foi tarefa fácil, mas gosto particularmente da sonoridade dos Dire Staits e o tema Private Investigations deixa-me positivamente arrepiado…
Vídeo: Private Investigations (http://www.youtube.com/watch?v=SGB3KyyTxP0)
It’s a mystery to me
The game commences
For the usual fee
Plus expenses
Confidential information
It’s in a diary
This is my investigation
It’s not a public inquiry
I go checking out the report
Digging up the dirt
You get to meet all sorts
In the line of work
Treachery and treason
Theres always an excuse for it
And when I find the reason
I still cant get used to it
And what have you got, at the end of the day ?
What have you got, to take away ?
A bottle of whisky and a new set of lies
Blinds on the window and a pain behind the eyes
Scarred for life
No compensation
Private investigations
O vibrante crescente de uma orquestra pode-nos encher de lágrimas ou provocar arrepios na espinha. A música adiciona emoção nos filmes. Os pais cantam suaves cantigas para adormecer os bebés. Quando ouvimos um tema antigo, vêm-nos à mente imagens da nossa juventude, e sentimos a melancolia de um passado que foi o nosso. A música cerca-nos, e estamos ligados a ela. Este apego tem raízes profundas; o Homem faz música desde o alvorecer da cultura. Mais de 30000 anos atrás, os nossos ancestrais já tocavam flauta feita de osso, instrumentos de percussão e certos tipos de harpa. Todas as sociedades conhecidas do mundo tinham ou têm algum tipo de expressão musical. Na verdade, o nosso gosto pela música parece ser inato. Os bebés de apenas dois meses de idade já se voltam na direcção de sons harmoniosos e agradáveis, e tentam afastar-se dos dissonantes. Quando ouvimos aquele tema especial, nos faz arrepiar, os centros de prazer activados no cérebro são os mesmos que são estimulados quando comemos chocolate, ou quando mantemos relações sexuais. A música é universalmente amada e singularmente poderosa na sua capacidade de tanger as cordas da emoção...
Imagem: Screen Music (http://home.wangjianshuo.com/archives/2003/10/16/screen-music-by.jianshuo.png)
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