Milhares de impulsos electroquímicos atravessam o meu cérebro a cada instante, formando padrões de coerência invejável ou de louca desarmonia. Imagens vagas dissolvem-se quase instantaneamente, assim que acabam de ser formadas, enquanto outras permanecem vívidas e bem delineadas como se tivessem sido captadas por uma fabulosa câmara fotográfica, manejada destramente por um sabido retratista. Mapas de analogias e metáforas são desenhados a traço fino pelo topógrafo linguístico que às vezes se encarrega de as transmutar em sons, enquanto mantenho uma conversação com alguém. Compêndios de palavras são consultados e deles extraio, a cada segundo, os termos que parecem melhor definir os conceitos que fervilham na minha mente. Esquissos daquilo que me parecem ser grandes ideias acabam por ser evacuados como se de pútrida matéria fecal se tratassem e, às vezes, redescubro uma porção de lugares dentro da minha cabeça onde me é desagradável estar. Nas mais das vezes, os raciocínios não me envergonham. Posso é não ter a capacidade de os partilhar…
Imagem: Pensamento de Mim (http://exper.3drecursions.com/apo/just_a_moron_thought_of_mine_reprised_tmb.jpg)
A nossa incapacidade de compreender ou efectuar a comunicação com outros animais pode ter origem na nossa relutância em dominar modos que não nos são familiares de lidar com o mundo. Por exemplo, os golfinhos e as baleias, que se apercebem do que os rodeia com uma técnica muito elaborada de eco-localização, ou seja, localização por sonar, também comunicam uns com os outros por meio de um conjunto de sons rico e complexo, cuja interpretação tem até hoje escapado às tentativas dos cientistas no sentido de os compreender. Uma sugestão recente é que a comunicação golfinho/golfinho implica uma recriação das características do reflexo sonar dos objectos descritos. Segundo esta perspectiva, um golfinho não diz uma só palavra para tubarão, mas transmite um conjunto de cliques que correspondem ao espectro de reflexão auditivo que obteria se estivesse de facto a irradiar o tubarão com o seu sonar, criando assim uma espécie de onomatopeia, um desenho composto por imagens sonoras, neste caso, caricaturas de tubarão. É possível imaginar a amplitude de uma tal linguagem de ideias concretas... Será possível que os golfinhos criem imagens auditivas a partir da imaginação, e não da experiência? Poderão também eles ter pensamentos abstractos?
Adaptação de trecho da obra Os Dragões do Éden, de Carl Sagan
Imagem: Golfinho (http://www.surfrider.org.br/intranet/imagem/destaque/golfinho.jpg)
" Os animais não abstraem, declarou John Locke, expressando a opinião predominante da humanidade ao longo da história. O bispo Berkeley, porém, replicou sardónicamente: Se o facto de os irracionais não abstraírem for considerado a característica distintiva dessa espécie de animais, receio que um grande número daqueles que passam por homens tenham de ser incluidos neles. O pensamento abstracto, pelo menos nas suas variedades mais subtis, não é um acompanhamento invariável da vida quotidiana para o homem médio. O pensamento abstracto será uma questão não de tipo, mas de grau? Os animais serão capazes de pensamento abstracto, mas mais raramente ou menos profundamente do que os seres humanos? Temos a impressão de que os outros animais não são muito inteligentes. Mas teremos imaginado a possibilidade de inteligência animal com o cuidado suficiente, ou limitamo-nos a associar a ausência do nosso estilo de expressão de inteligência à ausência de inteligência?"
Carl Sagan, em Os dragões do Éden
Imagem: Abstracção Luminosa, Francis Bruguière, 1920 ( fotografia )
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