Nascença, a fragilidade do ser aconchegando-se no peito da progenitora, a dependência absoluta transformando-se paulatinamente na autonomia crescente dos anos que passam, plenos de novidade e prodígio, as descobertas sucedendo-se numa esfusiante cadência feita de brincadeiras e percepções, o mundo crescendo num permanente alargar de horizontes… Experimentação, as inúmeras possibilidades mostrando-se-lhe num caleidoscópio de simetrias multicolores e variáveis, a juventude avocando a natural irreverência de quem crê tudo poder... Emancipação, a dureza desafiadora das responsabilidades assumidas afigurando-se-lhe estimulante, as escolhas sendo feitas em impulsos, as emoções manifestando-se na indizível doçura de um amor consequente e prolífero… Domínio, o doce sabor do poder e dos feitos, a preciosa negação da insondabilidade dos mais profundos mistérios, a férrea vontade de caminhar no sentido da descoberta, a inacabada aprendizagem conferindo-lhe a convicção de pouco saber, o pouco que sabe parecendo-lhe insuficiente, a apressada procura de colmatar as lacunas fazendo-o sentir que o tempo escasseia… Decrepitude, a imponderabilidade das noções absurdas, a trémula incerteza do que há para vir, a irrealidade dos raciocínios impérvios assomando-se, estranha e incoerente, emaranhando a existência nos fios pegajosos da demência, ossos e músculos acusando o ónus das décadas… Decessa, nada mais que o vazio, a individualidade evolando-se em memórias que não passam de resíduos etéreos daquilo que fora, a identidade dissipando-se no irrevogável substrato do tempo, a espuma fantasmagórica da sua mente ficando somente registada nas palavras insistentemente grafadas em formato digital, até que o próprio suporte se desfaça…
Imagem: Mãos (www.europarl.europa.eu/eplive/expert/photo/20071107PHT12721/pict_20071107PHT12721.jpg )
Regozijo-me com coisas pequenas: três gatinhos num velho palheiro trouxeram-me à mente a recordação. Embora ainda não fosse verão, o dia estava quente e soalheiro, viam-se andorinhas às dezenas. Foi no pátio da velha morada, em frente à adega secular, que vi a gata, miando de dores. A minha avó tratava das flores, quando a resolveu ajudar. Pegou nela, desceu a escada. Ardendo de curiosidade, segui-as; queria ver… Deitada na palha macia, tendo-nos por companhia, a gata parecia gemer, talvez de esforço ou ansiedade. Vi a maravilha da vida nascer de dentro dela. Fiquei assim, assombrado, quieto, mudo, atordoado… A natureza é de facto bela; precisa apenas de ser entendida. Hoje, repetiu-se a magia. Três gatinhos, o mesmo local. Voltei a ser criança…! Levado por uma lembrança, revivi um momento especial. Enchi-me de uma imensa alegria…!
Imagem: Gatinho, hoje
“Viajo pelos dias sem tempo, em vislumbres de eternidade, tendo no futuro um aliado, não esquecendo o passado, vou em busca da verdade. Sou diáfana duplicidade, pensamento etéreo e esfumado, imaginação de um simples momento, furacão destruidor e violento ou pacífica serenidade. Nunca havia viajado assim, sentado na nuvem que corre, em direcção ao infinito. Percebo a vida, calo o grito: antes de renascer, tudo morre… Às artérias, o sangue acorre, termina a ilusão, acaba-se o mito. (No espelho de quem sou vejo a imagem de mim.) Ao meu corpo regresso por fim; é a unificação que ocorre!”
V.A.D. em Retorno
Vídeo: Viagem da Mente (Place 8 – Kattoo) (www.youtube.com/watch?v=Lh-vrNMph9c)
Ao fim da noite, sou silêncio e luz
Vento siroco, radiosa alvorada
Sou princípio e fim da estrada
Sou verbo que encanta e seduz
Audácia firme ou vã bravata
Rio de águas calmas, rugido de catarata
Intenso brilho, ténue reflexo de luar
Sou ilusão etérea, profundo mar
Sou poção que rejuvenesce ou mata
Símbolo cinzelado, audível fonema
Enigma complexo, solução de problema
Física de partículas, matemática pura
Sou esquisso de alguém, surreal pintura
Sou certeza absoluta ou irresolúvel dilema
Viagem sem revés, aventura perigosa
Fleuma indizível e agitação buliçosa
Sopro de vida, infalibilidade da morte
Sou azar profundo, amplíssima sorte
Sou vibração de corda, melopeia silenciosa
Humm…
Dia soalheiro, existência maravilhosa!
Imagem: Nascer do Sol (http://apod.nasa.gov/apod/image/sunrise_apollo.gif)
Em certos momentos de inquietude, ponho de parte alguns pedaços ínfimos de verdade, abomino a aceitação calada de algumas das fronteiras que a natureza humana impõe, recuso o auto-sacrifício de me avassalar à pasmaceira imposta pela mesquinhez dos limites. Cerro as pálpebras e vejo mundos em construção, vórtices de energia dominando as paisagens desassossegadas pela concepção de alternativas inventadas. Interiorizo-me, a procura da essência sendo levada a um extremo que me esgota e extasia, examino cada recanto do meu ser, consciente de que muito mais se esconde nos subterrâneos inacessíveis, os vislumbres de um palco, de um actor solitário manipulando fios suspensos de pernas para o ar e o reflexo de um títere imago de mim mesmo indiciando a peça que é representada no anfiteatro sem luz do Id. Não me reconheço em reproduções meramente tridimensionais, a translucidez do tempo e as etéreas linhas de causalidade ou de casualidade assumindo uma relevância exasperantemente manifesta, muito antes da alvorada ou pouco depois do pico solar, o equador de quem sou transmutando-se em frialdade polar… Ou ao contrário, nem sei bem…
Vídeo: VjXoe Cosmic Gate (Thievery Corporation) (www.youtube.com/watch?v=ek4C1E-z5tw)
Suspendo o tempo nos fios da vontade, seguro os ponteiros do relógio que imagino, recuso o escoar dos segundos, não o quero para mim. Crio nas minhas mãos a eternidade, pedaço de vidro cristalino, incontáveis e estranhos mundos, conjectura de espaço sem fim. Brinco no centro galáctico, inundo-me de emoção e pasmo, perco-me num labirinto inventado, entre estrelas e quasares. Nada no cosmos é estático, encho-me de exaltado entusiasmo, não há segredo que não seja revelado, todos os mistérios se tornam vulgares. Conheço a verdade e o seu inverso; tenho a vida inteira e mais um pouco para aprender o que há a saber. A mente funde-se com o Universo… (Eu sei, às vezes pareço louco, mas não há nada a fazer…!)
Imagem: Universo! (www.faemalia.net/USPictures/Backgrounds/universe.jpg)
Desvaneço-me nas etéreas luminâncias do arco-celeste, sou pingo de orvalho matinal sobre os ramos da árvore despida, desejo crescente, hino à vida, brisa cálida ou vento agreste. Sou sombra desenhada no solo duro, luz irradiante e treva profunda, chuva intensa que tudo inunda, odor corrupto ou ar fresco e puro. Sou embriaguez e sobriedade, sinto a vida a pulsar nas artérias, conjunto de alegrias e misérias, frio calculismo e natural espontaneidade. Sou certeza e contradição, verdade absoluta ou devaneio insano. Sou simplesmente humano, feito de veemente emotividade e de metódica razão…
Imagem: Orvalho (www.moocaonline.com.br/plano_de_fundo/novas/orvalho.jpg)
Quando os fulgores coruscantes correm pelos céus plúmbeos da melancolia, traçando tormentosos circuitos por entre a frieza das estrelas resguardadas, fecho os olhos, isolo-me da intempérie e o nome dela relampeja sob as minhas pálpebras num zumbido indistinto e suave, um enxame de abelhas passeando pelos longos corredores da memória, a melíflua recordação de verões perdidos e o doce calafrio do sal atlântico trazendo à minha pele o arrepio deleitoso de um outro tempo. Nessas ocasiões, volto a sentir o sorriso que aprendi dela, impresso nos meus lábios com a vermelhidão das cerejas surripiadas das árvores do contentamento, símile da prazenteira inocência agora esmaecida pela veloz passagem das carruagens na férrea linha temporal, num tiquetaque contínuo e irrefreável. E elevo-me na minha própria brisa, espalhando cálidos ventos que resfriam os meus cabelos já cãs e afastam os cúmulos-nimbos para as vastidões de um oblívio provisório de mim mesmo, até que a quietação retorne na anelante respiração de jogos revividos, a Infância decididamente nunca perdida insinuando-se na minha mente…
Imagem: Infância Perdida (Lewis Blehrman) (www.lewisblehrman.com/Lost%20Childhood%20copy.jpg)
Ele tinha medo das estrelas, sempre tivera medo delas. Eram a representação visual de tudo quanto era desconhecido e impossível de alcançar, a perturbante diegese da sua própria insignificância e a velada asseveração de que a humanidade teria ainda um longo caminho a percorrer até ser capaz de domar as distâncias incomensuráveis que a separavam de outros sistemas planetários onde talvez enxameassem descoincidentes formas de vida, quem sabe o silício sendo o elemento aglutinador da biopoese ou o carbono engendrando organismos donos de eminentes inteligências. E, contudo, olhava o céu nocturno com a desmesurada ânsia de se deixar ir na nave do pensamento, até a um daqueles bicos de alfinete, ardente e desinteressado de tudo, as reacções termonucleares inflexivelmente alheias a conjecturas de um simples adolescente criando, ao seu redor mas sobretudo no seu cerne, um Universo de invenção, alimentado pelas ilusões tão admiravelmente construídas nos livros de ficção científica em que se costumava perder, as horas parecendo minutos, o tempo chegando a parar no isolamento agorafóbico das bastas letras que o avassalavam. Nunca abdicou de se maravilhar com os enigmas de um Cosmos prolífico e, em muitos momentos claustrofóbicos, ainda se deixa distrair pela miríade de centelhas que povoam o firmamento…
Imagem: Estrelas (www.le.ac.uk/ph/faulkes/web/images/stars.jpg)
Devia ter-me contentado com a permanência num lugar sem nome nem forma, as trevas densas e quentes aconchegando a mente entorpecida, a ausência de ser diluindo o senso e a memória, apenas uma arredada e imponderável sensação, vinda de qualquer parte incógnita, afirmando o existir? Devia ter-me deixado levar pelos difusos rendilhados do pensamento eterizado, a poalha de mim mesmo vogando nas cristas informes de sonhos desconexos, o sopro da eternidade adormentada espalhando ao vento a espuma da razão? Devia ter evitado a estranheza que retorce o espírito, o expressivo pressentimento de um Universo por apreender gerando espanto e curiosidade, a agitação da demanda infindável corroendo e, simultaneamente, acoroçoando? Devia ter-me recusado a ver o céu que explode em azuis fulgurantes e a luz jorrando em caudais energéticos que tudo moldam, a epítome da vida sendo redigida perante os meus olhos? Devia ter-me demorado nesse local resguardado e protector, a voz calada e os ouvidos surdos acobertando-me da volubilidade do mundo, estas mesmas perguntas não podendo ser feitas, as respostas sendo desautorizadas pela falta de sentido? Não! Nasci porque tinha de nascer. Raciocino, sinto e maravilho-me!
Vídeo: Teardrop (Massive Attack & Liz Fraser) (http://www.youtube.com/watch?v=fG8eQBSp9Ao)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. Miau...
. Retorno
. Sou...
. Imago
. Fusão
. Eu
. Nascer
. Blogs
. Abrupto
. Feelings
. Emanuela
. Sibila
. Reflexão
. TNT
. Lazy Cat
. Catinu
. Marisol
. A Túlipa
. Trapézio
. Pérola
. B612
. Emanuela
. Tibéu
. Links
. NASA