Meti-me à toa por um atalho do tempo para a procurar, os olhos castanhos brilhando de prazer e as rugas de expressão sulcadas em sorrisos abertos dando-me o ar despreocupado de quem bebe um café numa manhã solarenga de um domingo qualquer. Não raras vezes, captei aqui e ali uma impressão confusa de símbolos entre parênteses, a estrutura complexa das matemáticas dando-lhe um significado tão vasto e profundo que a minha mente recuava instintivamente, o receio de ser arrastado por aquela desmesurada força vital agindo como se o pânico da luz me empurrasse para a sombra. E então, desobstruía-se a razão num fluir de noções muitas vezes intuídas, as esquivas imagens geradas nos interstícios sinápticos urdindo a tapeçaria da compreensão, o entendimento nascendo frágil da incerteza progenitora, a minha face tornada esfíngica pelo esforço da concentração. Por vezes pergunto a mim próprio se a realidade não passará de um simples holograma ou se nada mais é que o resultado de meros pensamentos, uma absurda diversidade de palcos sendo povoada por actores inventados. Quase sempre persuado-me da tangibilidade de tudo, a verdade absoluta ao alcance do intelecto mostrando-se perfeita mas absolutamente esquiva, cultivando um absoluto poder de sedução…
Imagem: Verdade (http://static.flickr.com/118/292949477_64c13cbdbb.jpg)
Os astrónomos do antigo Egipto aprenderam a prever a época das cheias do Nilo, pela observação de um pontinho luminoso no céu, a estrela Sirius. Hoje sabemos que esse pontinho é um sol, entre os cem mil milhões existentes na nossa galáxia, alguns deles muito maiores do que o nosso. Rigel, por exemplo, irradia tanta energia que, se posto no lugar do nosso Sol, simplesmente evaporaria a Terra. Hoje acompanhamos o movimento dos corpos celestes que antes julgávamos estáticos. Sabemos que o próprio Sistema Solar se move no espaço, mas numa órbita tão lenta que, apenas meia volta atrás, os dinossáurios eram os senhores do nosso mundo. Através de radiotelescópios, vivemos a surpresa de ver pontos nebulosos a se definirem como densos agrupamentos de estrelas; o que pareciam ser meras manchas gasosas no Cosmos, revelam-se gigantescas e incandescentes fábricas de estrelas. Avistadas por Fernão de Magalhães em 1519, durante a sua viagem de circunavegação, as manchas luminosas que viriam a ser designadas por Nuvens de Magalhães, são na verdade duas galáxias anãs, satélites da Via Láctea, ela própria integrante do chamado Grupo Local, um aglomerado de 37 galáxias que abrange uma extensão de 4 milhões de anos-luz. Pelo Universo fora, são incontáveis estes aglomerados… Se os limites do nosso saber foram tão dilatados em tão poucos séculos, como poderemos não admitir que a aventura do conhecimento humano ainda mal começou?
Imagem: Aglomerado de Galáxias (www.if.ufrgs.br/~thaisa/matesc/matesc_arquivos/image020.jpg)
O Homem já se sentiu no centro do Universo, por dominar o que parecia ser um enorme planeta, com oceanos, montanhas, rios, florestas e desertos imensos. Hoje essa sensação parece pretensiosa e arcaica, mas vigorava há não muito tempo. Curiosamente, os avanços do conhecimento humano, se por um lado expandiram a nossa consciência, por outro reduziram a nossa importância aparente. Hoje sabemos que a humanidade só assumiu o seu papel previlegiado sobre a face da Terra depois de 135 milhões de anos de domínio do planeta por grandes e aparentemente pouco inteligentes animais. Sabemos que vivemos num grão de poeira na vastidão do Cosmos. No entanto, do confronto entre o que já descobrimos e aquilo que há por saber, sobrevive uma desafiadora questão: se o que julgávamos grande se revelou pequeno, onde residirá o limite do efectivamente incomensurável? "Tudo é relativo." Ao contrário do que muitos pensam, esta não é uma súmula do pensamento de Einstein. É uma constatação do senso comum para qualquer observador da história da humanidade.
Imagem: Galáxias em Colisão (http://origins.jpl.nasa.gov/universe/images/modern-universe.jpg)
O homem não é, nem nunca será o deus diante do qual outro homem se deve ajoelhar. Ninguém , portanto, é omnisciente. Cada descoberta científica baseia-se numa ignorância consciente, num saber que não sabemos nada de absolutamente certo. Se Platão é o sábio que sabia distinguir entre o bem e o mal, já Sócrates afirmava que sabia que nada sabia, revelando por isso a conciência dos limites do conhecimento. O problema da ignorância não é, no âmbito científico, menos importante e fascinante que no campo filosófico. O que distingue um cientista de um não-cientista é o facto de que o primeiro confessa imediatamente a própria ignorância. Na verdade, só à base dela é que surge o seu desejo de conhecer. Se soubesse tudo não se questionaria nem daria início a nenhuma pesquisa. Nenhum caminho pode ser conhecido com antecedência. A pesquisa científica é uma uma viagem, uma experiência em que se percorre um caminho que ainda não havia sido desbravado, e o cientista, ao encetar a tarefa, reconhece o seu desconhecimento, manifestando em simultâneo a vontade de aprender. O não-cientista crê e afirma, sem provas, que o caminho existe e até opina sobre o trajecto... Mas como alguém disse, crer não é saber...
Pensemos no cientista como um especialista do desconhecido, um homem que assume a afirmação de Nietzsche "é do caos que nascem as estrelas".
Imagem: Pensador (www.bioteams.com/collaborative_t.jpg)
Fontes: Che cosa è la conoscenza de Heinz von Foerster, Sci-Am Brasil, L'elaborazione del mito de H. Blumenberg
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