Sexta-feira, 30 de Novembro de 2007

Interrogação

“Olho para as grandes realizações do pensamento humano e admiro-me com aquilo que foi já alcançado. Contudo, interrogo-me constantemente sobre o quanto haverá por descobrir…”

V.A.D. em Algures.

publicado por V.A.D. às 02:21
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Segunda-feira, 5 de Novembro de 2007

Intangível

“Em alguns momentos de insólito destempero, tenho a impressão de, na presença de outros, não existir de todo. Olho à minha volta e congemino que ninguém, absolutamente ninguém, me está a prestar atenção. Os olhares alheados, fixos num infinito de quiméricos e falaciosos horizontes, parecem permear-me como se o meu corpo fosse feito do mais transparente e incolor cristal, deixando-me siderado pela insegurança de não ser. Decidem não me perceber como tangível; interrogo-me sobre a minha irrealizável invisibilidade e estremeço. Cai-se-me a compostura, imagino-me feito de esfumada fantasia, um mero desvario de uma mente desconchavada. Perco-me de mim, arrastado pelo caótico delírio de ter rasgado, amarrotado e deitado fora, o invólucro que é o corpo onde não caibo. E depois, a angústia. A aflição de apanhar do chão os pedaços dispersos pelo vento e reconstruir a arrevesada exterioridade. A urgência de me reunir à roupagem, para que o conteúdo encontre o formato. O receio de que o espírito soçobre, se se ausentar do organismo. A certeza de que só sou se for uno…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Intangível (www.paasonen.com/media/0000000518.jpg)

música: Breathe Me (Sia)

publicado por V.A.D. às 01:34
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Quinta-feira, 18 de Outubro de 2007

Paradoxo

“Sinto pressa de um futuro que teima em não chegar, arredio e sonhado. Tenho vislumbres de mim mesmo, desenleado das futilidades que me aperreiam, liberto de limites auto-impostos, capaz de sorver cada simples momento como se fosse o último sentir. Vivo conforme posso viver, enredado nas cordas urdidas de nós, os movimentos cerceados e os pensamentos desprendidos, a terra dura sob os pés nus e a leveza de dias ditosos pairando na mente. Preciso de mundos dissemelhantes, quero repelir-me dos abismos pasmatórios que me sugam a vontade e me encarceram na apatia das horas iguais. Conto as batidas do coração, relógio do meu ser, aguardando esse ápice impreciso que provavelmente não ocorrerá. Ou talvez esse instante esteja sempre a acontecer e, sem que disso me dê conta, o desperdice constantemente. Sinto pressa de não me apressar…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Ponte

música: Mundos Mudos (Da Weasel)

publicado por V.A.D. às 02:40
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Sexta-feira, 5 de Outubro de 2007

Nada

“Venho do nada. Provavelmente sou a vaga materialização de um devaneio de alguém, um mero átomo, indistinto e intangível, no vasto universo da existência. No entanto, creio ser capaz de pensar: finas e quase imperceptíveis estruturas electroquímicas parecem ser erguidas no âmago do meu cérebro – talvez ele próprio um delírio ilusório – para serem arrasadas e de imediato substituídas por outras, numa contínua e incessante renovação. Não passo de um evanescente e descolorido ponto numa descomunal tela, pintada ao longo de incomensuráveis éons; os meus gritos são tão inaudíveis quão fúteis aparentam ser os meus actos. E, apesar disso, não deixo de agir, nem retenho as palavras que me parecem ter de ser ditas. Vejo-me enclausurado num vazio destituído de qualquer sentido. Contudo, suponho sentir e pareço ter a aptidão de me emocionar.

Retornarei ao nada e serei esquecido, quando os profundos golfos do tempo absorverem as résteas da memória e os ecos da minha presença se esbaterem. Irei despido de tudo, até de espírito. Cessarei de existir… Mas, enquanto isso não suceder, estarei por aqui, fantasia ou realidade, sonho ou vigília…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Vazio (http://files.v2.nl/portal/lab/projects/void/void_01.jpg)

música: Lost Cause (Beck)

publicado por V.A.D. às 03:37
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Quinta-feira, 4 de Outubro de 2007

Atitude

“Deitado sobre a erva macia, debaixo da luz ténue das estrelas daquele céu límpido e seco, sentia-me tranquilo, pela primeira vez em muitos anos. Talvez fosse a escuridão silenciosa, a minha melhor amiga…Nada daquilo que me havia atormentado parecia fazer sentido então, pois a determinação tinha tomado conta de mim, qual mãe confiante encorajando um filho com palavras de incentivo. Conduzi os meus pensamentos até aos dias soalheiros da minha infância, cheios de brincadeiras e de jogos, preenchidos pelas maravilhosas aventuras de quem tem um mundo inteiro para descobrir. A minha pátria era esse admirável Universo, onde cada enigma resolvido conduzia a um novo mistério, onde cada obstáculo, aparentemente intransponível, acabava por ser derrubado para que logo na minha frente se erguesse outro, ilusoriamente insuperável. Na verdade, aqueles tempos de constante aprendizagem e adaptação, já tão distantes, pouco diferiam da situação em que me via envolvido. A atitude perante a vida, a maneira como encararia os desafios e a confiança que iria depositar nas minhas capacidades, teriam de ser as mesmas que havia experimentado nos anos da minha meninice. Afinal, a minha pátria é a mesma: continuo a sentir-me uma criança…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Estrelas (www.astronomyblogs.com/member/xanadu/images/omega_cent_ngc5139_tsp20070_scale.jpg)
música: Shine On (Blind Zero)

publicado por V.A.D. às 02:19
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Quarta-feira, 3 de Outubro de 2007

Fera (II)

“Um som cavo e gutural, um rosnido alienígena de pôr os cabelos em pé e os nervos em franja, continuava a sair por entre os alvos e afiados dentes da enorme criatura de aspecto felino. A atitude agressiva era prenúncio de um ataque eminente, e eu tinha de fazer algo, e bem depressa. Precisava de confrontar os meus medos, em vez de fugir deles. Olhei para a mochila, a um ou dois metros de distância; a solução para o meu problema encontrava-se no seu interior, mas era-me impossível alcançá-la sem que me movesse, e parecia-me que qualquer acção da minha parte iria desencadear a acometida. Permaneci no mais absoluto silêncio enquanto tacteava o frio solo de pedra, procurando a garrafa de água de que momentos antes me tinha servido, para matar a sede. Assim que a encontrei, delineei mentalmente um plano louco e improvável, mas que talvez representasse a minha única hipótese de sair dali com vida. Arremessei o objecto com todo o meu ímpeto e rolei sobre mim próprio, agarrei a mochila, que felizmente estava aberta, e peguei na arma carregada e pronta a disparar. Lembro-me de premir o gatilho e de ouvir o estampido seco do disparo, enquanto o vulto negro da fera voava na minha direcção…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Medos

música: Hold Still (David Fonseca & Rita Redshoes)

publicado por V.A.D. às 01:58
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Terça-feira, 2 de Outubro de 2007

Fera (I)

“A ferocidade do animal encheu-me de medo. Fiquei paralisado, sem saber sequer o que pensar, e todos os músculos do meu corpo se retesaram, accionados instintivamente pela parte mais profunda e antiga do meu cérebro. A sua aparição inesperada atordoou-me e imediatamente recuei no tempo, até à minha meninice. O subconsciente é atemporal: nele não há uma fronteira bem delimitada entre o passado e o presente. Vi-me, pequeno e indefeso, no pátio da minha vizinha; senti ali o terror e a dor excruciante da mordedura daquele enorme cão de pelagem negra, os dentes aguçados a enterrarem-se-me na carne, o puxão a dilacerar os tecidos, os olhos malévolos da besta a fitarem-me, o sangue a jorrar em grandes golfadas, a perna hirta e seriamente lesada… Há coisas que deixam marcas, quer físicas, quer psicológicas e, embora o corpo possa recuperar, a mente guarda-as a um canto, prontas para nos atormentar e encher de suores frios. Lutei para retomar as rédeas dos meus pensamentos; não me podia deixar apanhar daquela forma, sem que pelo menos tentasse resistir ou fugir…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Pantera Negra (original em www.cedargrove.k12.nj.us/cghssports/cghssoccer/black%20panther.jpg)
música: Matas-me com o teu olhar (Acústica) (UHF)

publicado por V.A.D. às 01:50
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Quarta-feira, 19 de Setembro de 2007

Lembrar

“Deixei-me envolver pela sonolência, e estendi-me sobre o colchão que, embora duro e pouco confortável, era melhor que a nua e fria pedra do chão do velho edifício, abandonado havia muito, de traços indiscutivelmente alienígenas. É engraçado como as pedras continuam a ser frias e como o cansaço nos afecta de igual forma, qualquer que seja o planeta em que nos encontremos. Chegava até mim o som abafado da areia, transportada pela permanente brisa, a fustigar, a roçar, a carcomer as paredes, a deixar-lhes a marca dos incontáveis séculos que haviam suportado. A monótona e fresca penumbra não tardou a dar a sua contribuição para que o sono tomasse conta de mim. Dormi profundamente e nem um sonho me perturbou, até que a sede se fez anunciar, despertando-me indolentemente e forçando-me a retirar da mochila a garrafa do precioso líquido da vida. Encosto-me à parede e volto a fechar os olhos. O meu corpo está sentado, os braços enroscados nas pernas, a cabeça curvada encostada aos joelhos erguidos, a mente a viver e a reviver as memórias dispersas que lhe acorrem como pedaços de papel soltos ao vento…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Lembrando (Original em http://images.jupiterimages.com/common/detail/09/27/23052709.jpg)

música: Dune - Desert Theme (Toto)

publicado por V.A.D. às 01:58
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Terça-feira, 18 de Setembro de 2007

Noite

“Assim que saí do carro que acabara de arrumar na garagem, senti na face a pungente bofetada da diferença de temperatura. Era uma noite gélida, o orvalho depositava-se na relva e as estrelas viam-se com a limpidez de um céu de Inverno. No pequeno bosque ao lado de minha casa, as folhas sussurrantes dos velhos carvalhos pareciam embrenhadas numa conversa sem fim, desfazendo alegremente o silêncio, animadas pela brisa suave que soprava de norte. A lua acabada de nascer, alaranjada sobre o horizonte plano das lezírias e ampliada pela lente atmosférica, parecia agigantar-se no céu escuro, criando sombras fantasmagóricas e impregnadas de movimentos cadenciados. Inspirei profundamente aquele ar ainda puro, prenhe de cheiros silvestres misturados com os aromas das flores bem cuidadas que cresciam nos vasos do alpendre. Detive-me por uns instantes, permitindo que o frio da noite se me entranhasse na pele, antecipando o suave e envolvente calor da lareira, que sabia acesa. Subi os três degraus, tirei a chave do bolso e abri a porta de casa…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Lua (www.gracemonkey.com/thunder.jpg)

 

música: Lost Cause (Beck)

publicado por V.A.D. às 02:04
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Domingo, 16 de Setembro de 2007

Trovoada

“A tempestade eléctrica desabou sobre mim sob a forma de trovão, com o ensurdecedor ruído de mil altifalantes num berro uníssono. É certo que a luz intensa e pulsante do relâmpago havia precedido a explosão sónica, mas a minha mente não se havia preparado para tal violência. Era o fim de uma tarde infernalmente quente; tinha visto a formação de cumuloninbus e sentira naquele ar, amarelado e doentio, o cheiro característico da humidade. Pressentira a trovoada e agora ela ali estava, manifestando todo o poder de uma Natureza indómita e proporcionando um espectáculo magnífico. Os primeiros pingos, grossos e pesados, caíam no chão como pequenas bombas, levantando poeira de um solo ressequido pelos meses estivais, para se desfazerem de imediato em pequenas esferas de lama ocre. Depois, pouco depois, enquanto os céus cediam ao peso de tanta água, a atmosfera enchia-se do barulho grave da chuva torrencial. Permaneci ali, desabrigado e encharcado, apreciando a arrebatadora sensação de ser parte integrante de um Universo tão rude quanto maravilhoso…”

V.A.D. em Algures.

Imagem: Electrical Storm (http://rolandvb.topcities.com/Weather/Electrical_Storm.jpg)

música: Electrical Storm (U2)

publicado por V.A.D. às 03:40
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