Sábado, 9 de Fevereiro de 2008

Insectos (VII)

“Perco o meu olhar pelas imensas searas de Helianthus Mizariensis, a folhagem cor de vinho ondeando ao sabor da brisa suave que percorre o vale soalheiro, as pétalas douradas encarando a luz, dela extraindo a energia demandada pelo colossal emissor erguido no cume da pequena elevação sobranceira ao rio, o edifício gémeo abrigando o telescópio óptico, duzentas polegadas de lente especulando o crepúsculo que se avizinha. Acendo o último cigarro, o maço amachucado, agora vazio, apresentando as indeléveis marcas daquilo que foi quase um desastre, o embriagante sabor do tabaco acalmando o desassossego da expectativa. Há horas que o trajecto da horda invasora está a ser seguido, a aceleração positiva e constante pressagiando o êxito da contra-medida. Dois terços da distância percorrida deveriam ter já determinado o disparo dos retrofoguetes, a aproximação ao plano da eclíptica teria de ter sido iniciada num ponto espacial já ultrapassado. Imagens imaginadas transcorrem pela minha mente, os hediondos insectos entregando-se ao fabular acto da procriação, deslembrando tudo numa induzida orgia, as feromonas sintéticas agindo como a derradeira arma biológica... F’zir, o intérprete, desperta-me destas cogitações com imprevisível efusão, os gritos carregados de sons sibilantes denunciando incontida alegria. Haviam sido registados violentos embates no sexto planeta e cerca de uma dezena de naves ultrapassara já o ponto de Lagrange, acercando-se perigosamente de Mizar, a colisão com a estrela afigurando-se como destino indeclinável…! Apago o cigarro, respiro fundo e regresso ao observatório, a fim de contemplar a vitória. Mas eis que algures, a milhões de anos-luz, numa outra dimensão nasce uma Supernova!"

V.A.D. em Insectos

Final sugerido por mnike30

Imagem: Colisão (www.ichthus.info/BigBang/PICS/SL9-02.gif)

música: Charriots of Fire (Vangelis)

publicado por V.A.D. às 02:54
link do post | favorito
De **** a 9 de Fevereiro de 2008 às 23:24
"Perco o meu olhar pelas imensas searas de Helianthus Mizariensis" – interrogo-me a que cheirarão... Se serão tão belas como especimen de Helianthus annuus que tenho desenhado por aqui numa caixa.
Uma paisagem calma que parece acompanhar o sentimento de alivio da personagem. Depois de tanta coisa que se passou, de ter visto a vida e a de toda a sua espécie em risco e ter conseguido fazer parte da sua salvação, tem direito a uma manifestação de alegria mais que incontida.
É irónico que o que tenha condenado a espécie insectiforme fosse o próprio instinto de dar continuidade à espécie, o que um Freud com exoesqueleto teria apelidado de pulsão de vida, o Eros. Não só no instante em que foi aniquilada com essa “arma biológica”, mas também quando, antes disso, a levou a necessitar de se expandir.

“A fim de contemplar a vitória” – ao que parece a lei da sobrevivência mantém-se além fronteiras, o mais fraco (ou aquele que é traídos pelas circunstâncias) é derrotado para dar espaço à evolução do vencedor, extingue-se para que o outro consiga adiar por um tempo mais a sua própria extinção.

Beijos
E muito boa noite, cheia de belas paisagens e fantásticos textos

Sophia


De V.A.D. a 10 de Fevereiro de 2008 às 02:18
Desconheço-lhes o cheiro, mas inventei-o agradável e envolvente. Fi-las bonitas, douradas nas pétalas e roxas nas folhas, os ondulantes reflexos do crepúsculo de dois sóis enchendo-me a mente de tranquilidade e paz. A beleza assemelha-se à do girassol que referes, o toque alienígena representa apenas uma diferença impossível de contornar... :-)

A tensão ainda existe no personagem, enquanto observa o campo de flores, mas a serenidade do dever cumprido começa a ser patente, as notícias de que F'zir é portador representando o alívio que referes. Realmente existe uma certa ironia no desfecho da história, o garante da continuidade da espécie acabando por constituir a sua própria derrota. Existe também uma metáfora encerrada no conto: a ganância incontida e o desrespeito pelos outros pode trazer consequências, no mímino, funestas...

A evolução é regida pela habilidade de sobreviver, potenciada pela inteligência. Resta-nos saber se a humanidade, enquanto espécie, será capaz de usar todos os seus recursos intelectuais para o bem comum. Subscrevo, na íntegra, aquilo que referes: a extinção é inevitável, mas pode ser adiada... :-)

Amiga, agradecendo as tuas palavras, também eu te desejo uma óptima noite e um excelente fim-de-semana!

Um beijo e um enormeeeeeeee sorriso... :-)



Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.


.quem eu sou...


. ver perfil

. seguir perfil

. 35 seguidores

.pesquisar

 

.Novembro 2021

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

23
24
25
26
27

28
29
30


.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. O livro de Enoch

. O Ramayana

. Mahabharata महाभारत

. Curvatura

. O horizonte de eventos e ...

. Subjectividade

. O "capacete de deus"

. Apontamento (II)

. Apontamento

. Alter Orbe (II)

.arquivos

. Novembro 2021

. Agosto 2019

. Abril 2013

. Fevereiro 2013

. Fevereiro 2012

. Junho 2011

. Janeiro 2011

. Março 2010

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

.tags

. todas as tags

.links

SAPO Blogs

.subscrever feeds