“Amo a noite com paixão, com um amor instintivo, profundo, invencível. Amo-a com todos os meus sentidos, com os olhos que a vêem, com o olfacto que a respira, com os ouvidos que a escutam em silêncio, com toda a minha carne que as trevas acariciam. As calhandras cantam ao sol, ao ar azul e quente, ao ar ligeiro das manhãs claras. O mocho foge na noite, mancha negra que passa através do espaço escuro e, alegre, embriagado pela negra imensidade, solta o seu grito vibrante e sinistro. O dia cansa-me e entedia-me. È brutal e ruidoso. Levanto-me a custo, visto-me com lassidão, saio com mágoa, e cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento cansa-me como se levantasse um fardo esmagador. Mas quando o sol desce, uma alegria confusa, uma alegria de todo o meu corpo invade-me. Desperto, animo-me. À medida que a sombra aumenta, sinto-me outro diferente, mais jovem, mais forte, mais vivo, mais feliz. Vejo a grande sombra suave caída do seu a espessar-se: afoga a cidade, como uma onda imperceptível e impenetrável; oculta, apaga, destrói as cores e as formas. (…) Um impetuoso, um invencível desejo de amar acende-se-me nas veias.”
Excerto de A Noite, de Guy de Maupassant, um dos melhores contistas franceses de sempre. Nascido em 1850, viria a falecer aos 42 anos, após tentativa de suicídio, resultante de perturbações causadas pela sífilis. Em parte da sua vasta obra, Maupassant envereda pela exploração do terror e do macabro, em óbvio paralelismo com a sua própria descida ao inferno da loucura.
Imagem: Noite (www.konect.org/blog/images/nuit.jpg)
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