“Sentia-se espalhado pelo solo pedregoso e áspero, disperso por entre a poeira esbranquiçada e inerte dos séculos esquecidos, a sua identidade esfumando-se num insignificante torvelinho, a consciência reduzindo-se a um quase nada, como que se enrolando numa esfera colapsante, a compreensibilidade esvaindo-se de si próprio, fugidia, as diagramáticas imagens laboriosamente construídas deslizando no inevitável declive entrópico de um entorpecimento vazio e cinzento. Deixara de sondar, tornara-se incapaz de entender o que ainda via, uma atroz inépcia aprisionando-o numa incomensurável aridez desarrazoada. Um derradeiro raciocínio assomou-se-lhe ao espírito, o último paroxismo suspenso num fio de inteireza: não fora em vão, aquela vida. Havia atingido um quê de plenitude, conhecera a perfeição de uns instantes perpetuados na sua própria essência, alimentara-se de fascínios indescritíveis, partilhara-se numa fusão tão absoluta quanto inesperada… E, subitamente, a inanidade das trevas separou-o da existência…”
“A insónia nessoutro lugar primevo era tão profunda que os sonhos a não penetravam, a própria mente refugiando-se no negrume inane da ausência de tudo, tonta da noite interminável, fatigada pela monotonia abstrusa das coisas meticulosamente planificadas, o conhecimento de si próprio resvalando para a abissal passividade de quem está prestes a renunciar às utopias aparentemente inexequíveis… Até que um novo Universo despontou em rutilantes feixes de espontaneidade, a perfeição absoluta da energia transbordante contagiando-o, arrebatando-o para um espaço-tempo diferente, onde se movia agora num fascinante semiêxtase, o corpo alerta e os pensamentos alongando-se em modelos de uma complexidade simples e despida de preconceitos, a sua pele roçando o sopro fragrante e acetinado de cada emoção, progressões geométricas representando o incremento de tudo aquilo que havia definhado na pretérita existência, o inconsciente divagando além das palavras, o consciente regozijando-se com o entendimento finalmente encontrado…”
“E a inconsciência deu lugar à percepção, a génese de algo absolutamente novo efectivando-se num crescendo inusitadamente intérmino, a majestosidade daquilo que é testemunhado servindo-lhe sobretudo para o reconhecimento da condição de aprendiz de si próprio. É-lhe ininterruptamente desvendado o fascínio de ver em vez de olhar e de escutar em vez de se limitar a ouvir, tão contagiante é aquele jeito de apreender o sentido mais intrínseco das coisas, tão cativante é aquela maneira de consecutivamente recriar os Universos na profundidade de raciocínios claros, tão atraente é aquela noção de que algumas barreiras, a existirem, podem ser de facto transpostas… Apraz-lhe pensar que, embora não sendo ubíquo, reside também nas delicadas e intangíveis estruturas bioquímicas de uma mente admirável, mora nas tonalidades quentes indelevelmente pintadas numa magnífica tela plena de vivacidade, habita na inescrutável urdidura das emoções, tão inefáveis quanto evidenciadas… E sente em cada célula do seu corpo, em cada fio de pensamento, a inexplicável alquimia de um despertar que, na realidade, nunca é tardio…”
“Era como se respirasse a própria atmosfera da galáxia, era como se se banhasse no mar de partículas e energia de que o Universo é feito, era como se estivesse nas profundezas do espaço, ante os milhares de pontos de flamejantes que se destacavam sobre o suave manto da Via Láctea, era como se viajasse por entre essas estrelas firmemente entrelaçadas nas interacções gravíticas de um referencial cuja magnitude, de difícil apreensão, o deixava boquiaberto, aqueles instantes resultando num incontido arrepio, vinte e um gramas de si próprio suspensos pelos invisíveis e poderosos fios das emoções, extáticos perante a profundidade castanha de uns olhos magnéticos, dentro dos quais um novo e sedutor mundo se ia desvelando… Era como se redescobrisse a vida a cada pulsação, era como se reencontrasse a felicidade a cada sussurro clamado, era como se rejuvenescesse a cada encontro almejado. Havia descoberto, por fim, aquilo que nem sabia poder existir: a personificação dos próprios sentimentos…”
“Todos os evos da sua vida não passavam agora de um fugaz momento, o passado constituindo uma mera ilusão enevoada pelas brumas de um tempo que, obstinado no seu fluxo, parecia não querer reconhecer que toda a verdadeira significância se condensa no presente, ou ainda num futuro feito de aspirações a substanciar ou de realizações a consolidar. Ali estava, emudecido pela extraordinária beleza daquelas horas, extático perante a profunda simplicidade de algo tão veementemente sentido, rendido à absoluta perfeição de um mundo inteiramente novo, avassalado por uma emotividade que equilibrava a razão e lhe propiciava uma orgia sensorial de sabor a chocolate e laranjas, de doces aromas a unguentos perfumados, de geométricos toques em cadências mais que perfeitas… Ia-se apercebendo, a cada instante, dos simples segredos até então encerrados no seu próprio âmago, a revelação crescendo numa espécie de liberação levitante, conduzindo-o a uma ventura impossível de expressar cabalmente em simples palavras…”