Segunda-feira, 28 de Abril de 2008

Luz (I)

“Primeiro, um tremendo bramido fez-se sentir, o corpo estremecendo mais que os ouvidos percebendo o som, a liga metálica da nave insurgindo-se contra a violência a que as leis relativíssimas a submetiam, uma chispa estonteante desfazendo a escuridão do vazio, enchendo de uma fantasmagórica claridade azulada a exígua cabine onde se encontrava, a radiação fria unindo-se à lividez do seu rosto marcado pela temerosa estupefacção. Depois, a incompreensível sensação de se descorporizar, a matéria de que ele também era feito transfigurando-se numa incongruente sombra estendida atrás de si, cada átomo isolando-se dos outros, as moléculas desagregando-se num fulgor que parecia conter a luz das estrelas. Lentamente, à medida que a aceleração abrandava, a mente reuniu-se ao corpo, a integridade enquanto organismo manifestando-se num arquejo incontido, o oxigénio puro a metade da pressão à superfície da Terra sendo inspirado profunda e demoradamente num fôlego de vida reencenada. Olhou o ecrã de organic-led, 1c agigantando-se a vermelho sobre o fundo negro…! Por um instante construído de eternidade, todo o espaço condensou-se num só ponto, os mostradores do painel enlouquecendo, os dígitos sucedendo-se numa inacreditável cadência, a distância percorrida superando os limites da imaginação humana, o Universo contorcendo-se sobre si próprio para acomodar o trânsito da cápsula que nada mais era agora que energia…”

V.A.D. em Luz

Imagem: Luz (original em http://orbitingfrog.com/blog/wp-content/uploads/2007/07/opo9603a.thumbnail.jpg)


publicado por V.A.D. às 15:00
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De Maria João Brito de Sousa a 30 de Abril de 2008 às 02:28
E agora eis-te na Luz! Um dia ainda te falo de uma luz que acompanha ou se sucede à morte clínica. Quando vivi (ou morri...) a experiência não fazia ideia de que ela já fora partilhada por outras pessoas em idêntica situação. Posteriormente vim a ler sobre esses casos e, exceptuando alguns que me parece terem divagado um pouco além do que realmente acontece, a grande maioria descreve o momento com uma extrema semelhança ao que eu o senti.
Abraço e uma excelente e luminosa noite! :-)


De V.A.D. a 1 de Maio de 2008 às 03:04
Amiga, a natureza desta luz que abordo é puramente relativística. Tento retratar alguns dos acontecimentos que poderiam ter lugar numa viagem assim, a velocidade da luz sendo atingida, as incomensuráveis distâncias de um oceano espacial sendo galgadas num mero instante... :-)

Conheço alguns relatos de experiências de "quase-morte", o túnel, a luz intensa e maravilhosa apresentando-se como visões presentes em todos eles. Como já deves ter percebido, interesso-me por quase tudo, este tema não fugindo à regra. Dos estudos que tenho lido, alguns realizados por entidades cuja idoneidade é inquestionável, fica-me a noção de que existe uma explicação neurofisiológica para esses eventos... :-)

Desejo-te um magnífico fim-de-semana, amiga!

Um beijo e um enormeeeeeeee e luminoso sorriso... :-)


De Maria João Brito de Sousa a 1 de Maio de 2008 às 12:02
Eu sei, V.A.D.. E sei que há uma explicação neuro-fisiológica para isso. Mas é uma sensação de tão indescritível beleza e serenidade que mais parece uma ponte para o transcendente. E eu não vi o meu corpo, nem nada disso. Apenas um vulto de criança (aparentava ser o vulto de uma criança de sete ou oito anos) no centro da luz. Estranhamente fiquei com a sensação de que foi esse pequeno vulto que me intimou a voltar. Só te posso garantir é que quando a luz surge aquilo que nos resta de consciência é atraído para ela de uma forma que nem te sei explicar.`É como se finalmente tivéssemos encontrado o lugar onde sempre pertencemos. Esta é a mais honesta e desapaixonada narrativa que te posso fazer. Não, não andei por aí a "flutuar" nem a ver os médicos que me tentavam ressuscitar, nem acredito muito nisso... eu só acredito naquilo que sinto, bem mais do que naquilo que penso...
Abraço e bom feriado.


De V.A.D. a 2 de Maio de 2008 às 02:11
Amiga, a tua narrativa é realmente impressionante, especialmente pela intensidade com que é feita e pela beleza que transparece do episódio...
Não duvido das sensações que tiveste, sei que elas são comuns a quase todos os relatos de experiências semelhantes. Contudo, e como bem sabes, tendo a procurar uma explicação racional e fundamentada para certos fenómenos. Tenho até excertos de vários artigos que li:

a) "Some studies have shown that electrical stimulation to the brain can trigger aspects of near-death experiences."

b) "Near-death experiences (NDE's) can be reproduced by ketamine via blockade of receptors in the brain (the N-methyl-D-aspartate, NMDA receptors) for the neurotransmitter glutamate. Conditions which precipitate NDE's (hypoxia, ischaemia, hypoglycaemia, temporal lobe epilepsy etc.) have been shown to release a flood of glutamate, overactivating NMDA receptors resulting in neuro ('excito') toxicity. Ketamine prevents this neurotoxicity. There are substances in the brain which bind to the same receptor site as ketamine. Conditions which trigger a glutamate flood may also trigger a flood of neuroprotective agents which bind to NMDA receptors to protect cells, leading to an altered state of consciousness like that produced by ketamine. This article extends and updates the theory proposed in 1990 (Jansen, 1990b)."

c) "All features of a classic NDE can be reproduced by the intravenous administration of 50 - 100 mg of ketamine (Domino et al., 1965; Rumpf ,1969; Collier, 1972; Siegel,1978, 1980,1981; Stafford, 1977; Lilly, 1978; Grinspoon and Bakalar, 1981; White, 1982; Ghoniem et al., 1985; Sputz, 1989; Jansen, 1989a,b, 1990b, 1993). There is increasing evidence which suggests that the reproduction of NDE's by ketamine is unlikely to be a coincidence. This evidence includes the discovery of the major neuronal binding site for ketamine, known as the phencyclidine (PCP) binding site of the NMDA receptor (Thomson et al., 1985), the importance of NMDA receptors in the cerebral cortex, particularly in the temporal and frontal lobes, the key role of these sites in cognitive processing, memory, and perception, their role in epilepsy, psychoses, hypoxic/ischaemic and epileptic cell damage (excitotoxicity), the prevention of this damage by ketamine, the discovery of substances in the brain called 'endopsychosins' which bind to the same site as ketamine, and the role of ions such as magnesium and zinc in regulating the site (Anis et al., 1983; Quirion et al., 1984; Simon et al., 1984; Benveniste et al., 1984; Ben-Ari,1985; Thomson, 1986; Coan and Collingridge, 1987; Collingridge, 1987; Contreras et al., 1987; Rothman et al., 1987; Mody et al., 1987; Quirion et al., 1987; Westbrook and Mayer, 1987; Sonders et al., 1988; Barnes,1988; Choi,1988; Monaghan et al., 1989; Jansen et al., 1989a,b,c, 1990a,b,c, 1991a,b,c, 1993)."

d) " NDE's are not evidence for life after death on simple logical grounds: death is defined as the final, irreversible end. Anyone who 'returned' did not, by definition, die - although their mind, brain and body may have been in a very unusual state.

e) "There is overwhelming evidence that 'mind' results from neuronal activity. The dramatic effects on the mind of adding hallucinogenic drugs to the brain, and the religous experiences which sometimes result, provide further evidence for this (Grinspoon and Bakalar, 1981). One of the many contradictions which 'after-lifers' can not resolve is that "the spirit rises out of the body leaving the brain behind, but somehow still incorporating neuronal functions such as sight, hearing, and proprioception" (Morse, 1989, original italics)."

É claro que se pode acreditar no que se sente... Mas aquilo que se sente corresponderá sempre à realidade?

Pedindo que me desculpes por te ter respondido de forma tão extensa, desejo-te uma excelente noite, amiga!

Um beijo e um enormeeeeeeeeee sorriso... :-)






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