Domingo, 20 de Abril de 2008

Sol Vermelho (VIII)

“Começara a arrefecer. A brisa de norte ia soprando para longe o sufocante calor daquela tarde estival, a tricentésima octogésima terceira noite da minha vida resgatada aproximando-se ligeira para trazer consigo a efeméride, um ano nesta idosa Terra prestes a perfazer-se. Ao longo dos evos, a órbita planetária havia sido alongada, a ténue mas contínua pressão de mais de dois nanopascal, exercida pela torrente de protões e electrões vinda da coroa solar, resultara num sensível afastamento do planeta em relação ao sol, o vento solar alimentando a magnificência das auroras e acrescentando dezoito dias ao tempo necessário a uma revolução completa do astro em torno da estrela-mãe. Não que isso importasse muito. A longevidade do corpo onde a minha mente agora se albergava era medida em milénios, a perspectiva de ter tempo para me tornar um deles abrindo-se risonha perante mim, a oportunidade de lhes ensinar o que sou revelando-se ampla. Ela aprendera já a apreciar o vento na pele e a sentir o cheiro das estações, descobrira comigo a beleza do voo das aves ao crepúsculo, percebera entre os seus dedos a delicadeza das pétalas de uma flor e ia-se maravilhando cada vez mais intimamente com estes pequenos nadas, a emotividade abafada por incontáveis séculos de racionalidade despontando de forma arrebatadora. Partilhara comigo alguns dos segredos mais recônditos da Natureza, os conhecimentos adquiridos ao longo de um pedaço de eternidade fazendo-me sentir um rotundo indouto, os enigmas mais antigos desvendando-se numa simplicidade feita de lógica e coerência. Compartia comigo a sua vida, as minhas mágoas diluindo-se num sentimento que se consolidava, a minha entrega fazendo-se progressivamente. Nunca iria esquecer o passado, mas estava disposto a usufruir da existência…”

V.A.D. em Sol Vermelho

Imagem: Aurora Boreal (www.nossosaopaulo.com.br/images/Paisagem2007MAI_AuroraBoreal.jpg)


publicado por V.A.D. às 14:30
link do post | favorito
De **** a 22 de Abril de 2008 às 20:24
"Ela aprendera já a apreciar o vento na pele e a sentir o cheiro das estações, descobrira comigo a beleza do voo das aves ao crepúsculo, percebera entre os seus dedos a delicadeza das pétalas de uma flor e ia-se maravilhando cada vez mais intimamente com estes pequenos nadas." - ... que, afinal, podem ser tudo. Podemos encontrar uma réstia de beleza em quase tudo, algo para nos fascinar, que nos envolve, pelo qual vale a pena parar um segundo. Isso passa-se com a natureza (que fico contente por subsistir a esses teus "incontáveis séculos de racionalidade ") e até com aquilo que fazemos. Cada nova fórmula descoberta tem a sua elegância, cada traço dum quadro encerra o seu significado, cada palavra tua apela à mente.
Infelizmente, essa sensibilidade falta-nos - mesmo neste passado...

"Nunca iria esquecer o passado, mas estava disposto a usufruir da existência…" - Nunca devemos esquecer - as memórias dos sorrisos que nos ajudam a passar quando rareiam, as lembranças dos erros que nos permitem melhorar, as aprendizagens que nos vão moldando - contudo, em todos os tempos, nesse mundo que me fascina ou aqui mais mais perto, é uma máxima óptima: "usufruir da existência"...

Beijos duma "rotunda indouta"
e uma boa noite, meu amigo

Sophia


De V.A.D. a 23 de Abril de 2008 às 01:57
A cada dia que passa, valorizo mais e mais os subtis pormenores que marcam a diferença, estejam eles encerrados na maravilhosa estrutura de um ser vivo, estejam eles patentes na inequívoca demonstração de inteligência de uma fórmula matemática, mostrem-se eles até na simplicidade complexa de uma conversa interessante... Ah, amiga...! Agradeço o elogio com que me agracias, afirmando que as tuas gentis palavras representam para mim um enorme incentivo...
Sabes, acho que essa sensibilidade, que tão bem referes, está latente... :-)

O passado é o alicerce da nossa construção mental... Não o devemos menosprezar, mas o edifício que somos deve crescer...

Permite-me que discorde veementemente da classificação que a ti própria atribuíste: os teus conhecimentos e a tua indómita vontade de os aperfeiçoar, elevam-te a um plano que sempre me surpreende... :-)

Também eu te desejo uma magnífica noite, amiga!

Um beijo e um enormeeeeeeeeeee sorriso... :-)


Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.


.quem eu sou...


. ver perfil

. seguir perfil

. 35 seguidores

.pesquisar

 

.Novembro 2021

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

23
24
25
26
27

28
29
30


.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. O livro de Enoch

. O Ramayana

. Mahabharata महाभारत

. Curvatura

. O horizonte de eventos e ...

. Subjectividade

. O "capacete de deus"

. Apontamento (II)

. Apontamento

. Alter Orbe (II)

.arquivos

. Novembro 2021

. Agosto 2019

. Abril 2013

. Fevereiro 2013

. Fevereiro 2012

. Junho 2011

. Janeiro 2011

. Março 2010

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

.tags

. todas as tags

.links

SAPO Blogs

.subscrever feeds